Conto
do Mar
Um
homem simples, do interior, pouca cultura, poucas oportunidades, quase nada
sabia do mundo, já que o seu se resumia ao seu pequeno pedaço de terra e sua
casinha singela, rodeado pela natureza e pelos animais silvestres e domésticos.
Seu contato com as pessoas limitava-se as suas idas ao vilarejo próximo, para
abastecer-se do necessário e das raras visitas dos vizinhos, que como ele, eram
proprietários de pequenos sítios das redondezas.
Sempre
que o nosso amigo ia a cidade, gostava de conversar com os frequentadores do empório
local e devido a sua simplicidade e sinceridade no proceder, estes gostavam
muito de manter longas palestras com ele, que era sempre ávido em conhecer
coisas novas e como para ele tudo era novidade, tornava-se um ouvinte atencioso
e entusiasta, o que cativava e estimulava a todos os seus amigos a ensina-lo um
pouco mais do mundo, dos avanços e progressos da humanidade.
De
todos os assuntos que abordavam normalmente, o que mais chamava sua atenção,
era quando alguém, chegado de viajem, lhe falava sobre o litoral, sobre o mar,
de sua beleza e magnitude, fazendo com que sua imaginação criasse as mais belas
e emocionantes imagens.
No
início não era assim, quando lhe falaram pela primeira vez do mar, de suas
ondas a chegarem à praia, por vezes suaves como um pássaro e em outras,
arredias como um potro indomável, ele não acreditou que isso pudesse existir,
cético, achava que estavam apenas querendo impressiona-lo e se o mar realmente
existisse, não poderia ser assim tão imenso e tão belo como descreviam.
Mas
com o passar do tempo, ao ouvir de outras pessoas relatos similares, começou no
seu interior a sentir um desejo irresistível para saber cada vez mais do
assunto e a partir dai, qualquer pessoa que encontrasse, ia logo abordando o
assunto, perguntando a ela se já conhecia o mar, ansioso para saber cada vez
mais detalhes daquilo que já estava se transformando em um ideal de vida, um
sonho a realizar.
Começou
a notar depois de várias conversas que as opiniões sobre o mar eram diferentes
e variadas, alguns achavam que era o que de mais belo existia no mundo, outros
o odiavam, por terem tido experiências que tivessem lhes causado algum mal, gerando
dramas pessoais ou com pessoas queridas; já outros lhe eram indiferentes,
achando-o algo banal e que na vida existiam coisas muito mais interessantes,
ligadas diretamente aos seus próprios interesses imediatos. Porém, com todas as
versões, o nosso amigo tinha certeza que o mar era algo muito especial, com
certeza vinda de Deus, tamanha as paixões que causava nas pessoas e assim,
tornou-se cada vez mais ávido em conhecê-lo pessoalmente.
Infelizmente
o tempo foi passando inapelavelmente e ele, atribulado, com diversas
dificuldades para manter o seu sustento e devido aos constantes sacrifícios para
sobreviver, sem perspectivas melhores para o futuro, foi deixando aquele sonho
de lado e anos decorreram sem que nada de novo acontecesse, deixando para trás
sua juventude, sua alegria, suas esperanças. Já considerava impossível realizar
seu antigo ideal ainda nesta Vida, mas, como tinha fé em Deus, Este quando
resolvesse leva-lo para ocupar seu lugar no céu, lhe permitiria dar um pulinho
até lá, até o mar e sentir de perto aquilo que ele imaginou durante a vida, nem
que fosse por alguns instantes.
Mas
o homem nunca sabe o destino que o seu Criador lhe reserva, e certo dia, um
rico fazendeiro da região, que sempre admirou sua honestidade e tenacidade no
trabalho, convidou-o ara acompanha-lo em uma viagem a capital da província, e
como ela duraria alguns meses, deu-lhe todas as garantias que sua terra seria
cuidada e que nada ficaria ao abandono e, por este motivo, não admitia recusa.
Desta forma, mesmo receoso, nosso amigo não teve outra opção que não fosse
aceitar.
Após
todos os preparativos, iniciaram a viagem de trem para a grande metrópole, e desnecessário
explicar todo entusiasmo e deslumbramento que tomou conta do seu ser, extasiado
com a paisagem, com as pessoas e com as cidades que conhecia a cada parada da
máquina. Chegando finalmente ao destino não cansava de admirar o progresso e a
civilização que para ele era totalmente desconhecida, enormes prédios, o vai e
vem das pessoas, que com pressa sequer notavam sua presença, as luzes da cidade
a noite, tudo que só conhecia por relatos de amigos, e que nunca imaginou que
seria aquilo a que assistia, admirado e assustado.
Meses
se passaram e um dia o seu amigo o comunicou que teria que resolver vários
problemas em uma cidade próxima, e que, como era uma bonita cidade, poderiam
passar bons momentos entregue a diversão e ao lazer. Ele foi confiante que
conheceria mais uma cidade das muitas que estava visitando, esperando encontrar
a mesma grandiosidade, a mesma movimentação a que já estava se acostumando, e
por isso, no fundo, sentia-se desanimado, sem mesmo nenhuma vontade de
continuar naquela excursão, mas, para não desapontar o amigo que demonstrará
tanto carinho e boa vontade para com ele, fingiu um entusiasmo que no fundo não
sentia, contrariando ao que se passava em seu interior, já que aquela viagem
começava a mexer com os seus sentimentos, fazendo nascer uma saudade profunda
da simplicidade da sua casa e de seus animais queridos.
Ao
chegarem à cidadezinha o seu amigo alugou um veículo, levando-o no mesmo dia para
passear, prometendo leva-lo a um lugar lindo, onde a força maior, a natureza, a
tudo comandava. Ele sorriu timidamente, pensando que o lugar lindo onde ele
gostaria de estar agora era em sua terrinha, e foi apenas nisso que pensou
durante todo o trajeto, encostando sua cabeça no banco e fechando os olhos,
ignorando a bela paisagem que acompanhava a rodovia, preferindo relembrar de
sua cidadezinha, de seus amigos, do nascer do sol, que era uma pintura, visto
da janela do seu quarto, recordando o suor e a fadiga do arado e como seria bom
poder retornar ao seu mundinho simples, tão diferente daquela agitação dos
últimos meses, rodeado de pessoas indiferentes a tudo que ele gostava, como se
não ligassem para nada e para ninguém, apenas para si mesmas, seus problemas,
ignorando totalmente ao próximo, contrariando o que havia aprendido quando
criança, quando conhecera os ensinamentos de seu amado Jesus.
De
repente o veículo estancou, e seu amigo, tocando-o levemente no ombro, pede que
abra lentamente os olhos. Ele suspira profundamente, por ver desaparecer a bela
imagem do seu sítio, abrindo os olhos e, simplesmente, não acreditando no que vê...
Meu
Deus, pensou, o que poderia ser aquilo que se descortinava à sua frente? Que maravilha
seria aquela tão grandiosa que se perdia de vista em sua própria imensidão?
Mas
claro, logo reconheceu, já ouvira falar dele tantas vezes, sonhara com ele sua
vida inteira, claro só poderia ser e era: O Mar!
Estava
ali bem perto, ao alcance de suas mãos, com toda sua beleza, toda sua energia,
e sem que conseguisse impedir, lágrimas começaram a deslizar pelo seu rosto,
exprimindo toda sua felicidade, toda emoção represada a tanto tempo em seu
coração, fazendo com que saísse do carro, que chegasse mais perto, brotando em
seu íntimo, de forma natural, uma oração, um louvor de agradecimento a Deus,
por estar recebendo ainda em vida aquela dádiva dos céus, que em sua humildade,
julgava não merecer.
Seu
amigo, respeitando aquele momento mágico, sussurrou em seu ouvido que logo
retornaria para busca-lo, que tinha que resolver problemas urgentes, mas que
ele não se preocupasse, não se apressasse, que ali ficasse o tempo que julgasse
necessário. Ele mal ouviu, balançando afirmativamente a cabeça, sem conseguir
desviar os olhos das ondas que suavemente chegavam e se misturavam à areia da praia.
Lentamente
foi caminhando, estranhando a maciez do solo ao contato dos seus pés, até
chegar bem próximo ao mar, sentindo, de repente, uma estranha sensação, de que
já havia, em algum período da sua existência, percorrido aquele caminho, que já
tinha anteriormente sentido toda aquela emoção e sem saber explicar, um
sentimento de culpa e medo o invadiu, como tivesse sido ele a causa de estar a
tanto tempo afastado e separado do mar, do seu amado mar.
Devido
a isso, mesmo estando a apenas alguns metros dele, estancou, sem coragem de
entrar, nem mesmo molhando os pés, com medo que qualquer coisa que fizesse, que
qualquer outro passo que desse o afastasse de novo daquilo que para ele era
todo um ideal de beleza e de vida. Uma luta íntima começou a ser travada dentro
dele, uma força irresistível o atraia para aquela imensidão, mas ao mesmo tempo
algo o impedia e o coagia de não prosseguir. Neste dilema, deixou transcorrer o
tempo, sem noção de quanto, sem saber que atitude tomar, pela primeira vez em
sua vida sentiu-se completamente só, sem ninguém para compartilhar aquele
momento, recapitulou em segundos todos os amigos que até então conhecera e não
conseguia lembrar-se de nenhum que pudesse compreender o que ele sentia naquela
hora, que pudesse ajuda-lo.
Quando
se sentia cada vez mais solitário e
deprimido, algo, como um raio, transpassou sua mente, iluminando todo o seu
ser, é claro, como pode ter se esquecido, como pode ter sido tão injusto com
ele ao ponto de ter se sentido só e abandonado, como pode esquecer daquele
amigo que durante todos os anos de sua vida o ajudou e sustentou, que
carinhosamente o amparou nos maiores sacrifícios que precisou enfrentar e
superar, que sempre acendeu uma luz em seu coração quando este ameaçava
escurecer devido ao desânimo injustificável que várias vezes o invadira em sua existência.
Então
concentrou todo o seu pensamento naquele que sempre o guiara no caminho certo,
que também tivera uma vida de sacrifícios, imensuravelmente maior que a dele, e
então orou, entre lágrimas, comovidamente, intensamente, agradecendo ao se
Amigo, seu eterno exemplo, seu eterno mestre e companheiro: Jesus!
Quando
terminou estava totalmente tranquilo, em paz, todo aquele aperto no coração
havia desaparecido e uma voz se se ouvir em seu interior, como se fosse trazida
pelas ondas, em resposta às suas dúvidas:
“meu
amigo não temas, lembre-se que não cai uma única folha sequer sem o
conhecimento do Pai, questionas se deves ou não entregar-se ao sentimento que
te atrai para o ideal que sempre idealizastes em vida, eu só posso te dar uma
resposta: Aguarda!
Se
encontrastes o que tanto procuravas e tua consciência te alerta, ouça-a, talvez
para que de fato venhas a concretizar teu sonho algo ainda esteja faltando em
teu íntimo para que, quando a ele te arrojares com toda sua paixão e toda sua
energia, sejas dele e ele seja teu para toda eternidade, espere, sinta, reflita
e aja, vá buscar dentro de ti o que falta, não só para molhares os pés, mas
para que se banhes, se entregues de corpo e alma À felicidade suprema que só a
união com o teu mais caro ideal pode te proporcionar.”
O
silêncio voltou a reinar, apenas quebrado pelo murmúrio das vagas, suave brisa
o envolve, fazendo sentir e respirar toda a energia dispendida pelo mar,
fazendo encontrar a resposta que tanto esperava, dispersando todas as dúvidas,
todos os medos. Sabia agora que, se a vida o obrigasse a voltar para o seu
mundinho, se algo fora do seu controle o afastasse definitivamente de seu mar,
nada mais faria com que ele duvidasse de sua existência, sim, seu mar existia!
Está
ali, diante de seus olhos, vivo em toda sua imensidão e beleza, e por mais que
o arrastem para longe, ele estará gravado para sempre em seu coração, e mesmo
que passem séculos até que possa reencontra-lo de novo, sua imagem estará por
toda eternidade em sua alma.
Sorriu,
algo mudara para sempre em sua vida, um novo brilho nota-se em seu olhar, a
água do seu mar estava a centímetros dos seus pés, límpida, cristalina, pura,
bastava mais um único passo, sim, ele seria seu, ele seria dele, sua escolha,
sua decisão, sua vida, ele, apenas ele a decidir...avançou...
Fim
Santos,
06 de julho de 1999
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