sábado, 18 de outubro de 2014

Postura Espírita.







Um dos maiores desafios para aquele que deseja superar seus instintos inferiores, seus erros, suas tendências negativas e trabalhar efetivamente para sua melhoria espiritual, através do estudo, da assimilação e do trabalho cristão, espírita, é o de vencer a si mesmo. Somos muitas vezes o nosso maior inimigo, os principais sabotadores das possibilidades de sucesso quando de retorno ao plano físico, insistindo em desperdiçar as oportunidades, temendo as dificuldades, renegando o esforço, o trabalho, a busca do resgate de nossas faltas, a superação sobre nossos vícios e nossas paixões degradantes e desequilibradas.


Com o esmorecimento da vontade, com o enfraquecimento da vigilância, mais difícil se torna difícil a nossa tarefa junto à espiritualidade superior, junto aos compromissos que assumimos quando do nosso planejamento reencarnatório, principalmente, quando estes compromissos são ligados a Doutrina Espírita, o que por si já exigem um preparo mais especifico, nos tornando, ainda na espiritualidade, mais capacitados a assimilar os ensinamentos e atender aos chamados quando estes se fizerem presentes em nossa vida encarnada.


Quando maior o aprendizado, quando maior as oportunidades recebidas para adquirir o conhecimento e as ferramentas necessárias para nossa evolução, maior é a responsabilidade por nossa vitória. “Muito será pedido a quem muito recebeu”, aquele que ignora o caminho é pouco culpado quando se perde, agora aquele que sabe o trajeto, que possui todos os equipamentos para percorrê-lo sem erros e mesmo assim se desvia do destino, pouco tem a seu favor que justifique o fracasso e assim, muito terá que realizar para voltar a merecer outra oportunidade, com a mesma preparação e as mesmas condições de realização.


Aquele que já na espiritualidade, tem a oportunidade de conhecer a Doutrina Espírita, as leis da causa e do efeito, da pluralidade de vidas, de mundos, que já recebe todas as orientações de como deve ser a postura do verdadeiro espírita, que já recebe e grava em sua consciência todos os ensinamentos necessários para cumprir suas tarefas junto a Doutrina quando reencarnar estará altamente qualificado e capacitado para atingir seus objetivos e também para que auxilie seus irmãos do caminho a que conquistem os seus.


O fracasso, nesta situação, possui diversos agravantes, que faz com que se torne mais dolorosa a sensação de derrota no retorno ao plano espiritual, principalmente, quando recuperar a lembrança das promessas feitas, dos ensinamentos recebidos, precisando encarar os amigos, os benfeitores e instrutores que o prepararam, suportando a vergonha, vencendo a vaidade, o orgulho, admitindo seus erros, suas fraquezas, não só para os outros, para o Pai Celestial, mas, principalmente, para si mesmo, para sua consciência.


Como em qualquer tarefa no plano físico, quanto maior a responsabilidade, maior será a cobrança, maior serão os louros pelas vitórias e mais difícil de suportar as consequências se fracassar. É o preço que paga, o risco que corre, aquele que tem a coragem de se expor e assumir novos desafios, novas lutas, indiscutivelmente, bem melhor do que se acomodar, se acovardar e temer deixar a posição que ocupa, satisfeito com o que sabe fazer e com o que tem, não se interessando em aprender e melhorar sua vida, em ampliar suas possibilidades, e assim poder crescer, principalmente, espiritualmente.


É melhor pecar pela ação do que pela omissão. Apenas trabalhando, estudando, tendo a iniciativa, buscando melhorar, crescer, superar novos desafios, galgar novas posições, conquistaremos a tão sonhada felicidade, a tão almejada perfeição, que, mesmo ainda incomensuravelmente distante, dela só nos aproximaremos se caminharmos, porque, parados não chegaremos nunca a lugar nenhum.


Feliz daquele que luta para vencer a si mesmo, que reconhece suas imperfeições, mas, não se acomoda e não desiste de combatê-las, poderá, sim, voltar a errar, porque ninguém é perfeito e todos estão sujeitos a fraquejar, mas, a importância de se reconhecer o erro, de não se conformar e da coragem de se reerguer e enfrentar as suas consequências faz do trabalhador merecedor do apoio e do amor de seus benfeitores e amigos, encarnados ou desencarnados, que o auxiliarão a recomeçar sua jornada, sempre.


quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Conto do Mar






Conto do Mar



Um homem simples, do interior, pouca cultura, poucas oportunidades, quase nada sabia do mundo, já que o seu se resumia ao seu pequeno pedaço de terra e sua casinha singela, rodeado pela natureza e pelos animais silvestres e domésticos. Seu contato com as pessoas limitava-se as suas idas ao vilarejo próximo, para abastecer-se do necessário e das raras visitas dos vizinhos, que como ele, eram proprietários de pequenos sítios das redondezas.

Sempre que o nosso amigo ia a cidade, gostava de conversar com os frequentadores do empório local e devido a sua simplicidade e sinceridade no proceder, estes gostavam muito de manter longas palestras com ele, que era sempre ávido em conhecer coisas novas e como para ele tudo era novidade, tornava-se um ouvinte atencioso e entusiasta, o que cativava e estimulava a todos os seus amigos a ensina-lo um pouco mais do mundo, dos avanços e progressos da humanidade.
De todos os assuntos que abordavam normalmente, o que mais chamava sua atenção, era quando alguém, chegado de viajem, lhe falava sobre o litoral, sobre o mar, de sua beleza e magnitude, fazendo com que sua imaginação criasse as mais belas e emocionantes imagens.

No início não era assim, quando lhe falaram pela primeira vez do mar, de suas ondas a chegarem à praia, por vezes suaves como um pássaro e em outras, arredias como um potro indomável, ele não acreditou que isso pudesse existir, cético, achava que estavam apenas querendo impressiona-lo e se o mar realmente existisse, não poderia ser assim tão imenso e tão belo como descreviam.

Mas com o passar do tempo, ao ouvir de outras pessoas relatos similares, começou no seu interior a sentir um desejo irresistível para saber cada vez mais do assunto e a partir dai, qualquer pessoa que encontrasse, ia logo abordando o assunto, perguntando a ela se já conhecia o mar, ansioso para saber cada vez mais detalhes daquilo que já estava se transformando em um ideal de vida, um sonho a realizar.

Começou a notar depois de várias conversas que as opiniões sobre o mar eram diferentes e variadas, alguns achavam que era o que de mais belo existia no mundo, outros o odiavam, por terem tido experiências que tivessem lhes causado algum mal, gerando dramas pessoais ou com pessoas queridas; já outros lhe eram indiferentes, achando-o algo banal e que na vida existiam coisas muito mais interessantes, ligadas diretamente aos seus próprios interesses imediatos.
Porém, com todas as versões, o nosso amigo tinha certeza que o mar era algo muito especial, com certeza vinda de Deus, tamanha as paixões que causava nas pessoas e assim, tornou-se cada vez mais ávido em conhecê-lo pessoalmente.

Infelizmente o tempo foi passando inapelavelmente e ele, atribulado, com diversas dificuldades para manter o seu sustento e devido aos constantes sacrifícios para sobreviver, sem perspectivas melhores para o futuro, foi deixando aquele sonho de lado e anos decorreram sem que nada de novo acontecesse, deixando para trás sua juventude, sua alegria, suas esperanças. Já considerava impossível realizar seu antigo ideal ainda nesta Vida, mas, como tinha fé em Deus, Este quando resolvesse leva-lo para ocupar seu lugar no céu, lhe permitiria dar um pulinho até lá, até o mar e sentir de perto aquilo que ele imaginou durante a vida, nem que fosse por alguns instantes.

Mas o homem nunca sabe o destino que o seu Criador lhe reserva, e certo dia, um rico fazendeiro da região, que sempre admirou sua honestidade e tenacidade no trabalho, convidou-o ara acompanha-lo em uma viagem a capital da província, e como ela duraria alguns meses, deu-lhe todas as garantias que sua terra seria cuidada e que nada ficaria ao abandono e, por este motivo, não admitia recusa. Desta forma, mesmo receoso, nosso amigo não teve outra opção que não fosse aceitar.

Após todos os preparativos, iniciaram a viagem de trem para a grande metrópole, e desnecessário explicar todo entusiasmo e deslumbramento que tomou conta do seu ser, extasiado com a paisagem, com as pessoas e com as cidades que conhecia a cada parada da máquina. Chegando finalmente ao destino não cansava de admirar o progresso e a civilização que para ele era totalmente desconhecida, enormes prédios, o vai e vem das pessoas, que com pressa sequer notavam sua presença, as luzes da cidade a noite, tudo que só conhecia por relatos de amigos, e que nunca imaginou que seria aquilo a que assistia, admirado e assustado.

Meses se passaram e um dia o seu amigo o comunicou que teria que resolver vários problemas em uma cidade próxima, e que, como era uma bonita cidade, poderiam passar bons momentos entregue a diversão e ao lazer. Ele foi confiante que conheceria mais uma cidade das muitas que estava visitando, esperando encontrar a mesma grandiosidade, a mesma movimentação a que já estava se acostumando, e por isso, no fundo, sentia-se desanimado, sem mesmo nenhuma vontade de continuar naquela excursão, mas, para não desapontar o amigo que demonstrará tanto carinho e boa vontade para com ele, fingiu um entusiasmo que no fundo não sentia, contrariando ao que se passava em seu interior, já que aquela viagem começava a mexer com os seus sentimentos, fazendo nascer uma saudade profunda da simplicidade da sua casa e de seus animais queridos.

Ao chegarem à cidadezinha o seu amigo alugou um veículo, levando-o no mesmo dia para passear, prometendo leva-lo a um lugar lindo, onde a força maior, a natureza, a tudo comandava. Ele sorriu timidamente, pensando que o lugar lindo onde ele gostaria de estar agora era em sua terrinha, e foi apenas nisso que pensou durante todo o trajeto, encostando sua cabeça no banco e fechando os olhos, ignorando a bela paisagem que acompanhava a rodovia, preferindo relembrar de sua cidadezinha, de seus amigos, do nascer do sol, que era uma pintura, visto da janela do seu quarto, recordando o suor e a fadiga do arado e como seria bom poder retornar ao seu mundinho simples, tão diferente daquela agitação dos últimos meses, rodeado de pessoas indiferentes a tudo que ele gostava, como se não ligassem para nada e para ninguém, apenas para si mesmas, seus problemas, ignorando totalmente ao próximo, contrariando o que havia aprendido quando criança, quando conhecera os ensinamentos de seu amado Jesus.

De repente o veículo estancou, e seu amigo, tocando-o levemente no ombro, pede que abra lentamente os olhos. Ele suspira profundamente, por ver desaparecer a bela imagem do seu sítio, abrindo os olhos e, simplesmente, não acreditando no que vê...

Meu Deus, pensou, o que poderia ser aquilo que se descortinava à sua frente? Que maravilha seria aquela tão grandiosa que se perdia de vista em sua própria imensidão?

Mas claro, logo reconheceu, já ouvira falar dele tantas vezes, sonhara com ele sua vida inteira, claro só poderia ser e era: O Mar!

Estava ali bem perto, ao alcance de suas mãos, com toda sua beleza, toda sua energia, e sem que conseguisse impedir, lágrimas começaram a deslizar pelo seu rosto, exprimindo toda sua felicidade, toda emoção represada a tanto tempo em seu coração, fazendo com que saísse do carro, que chegasse mais perto, brotando em seu íntimo, de forma natural, uma oração, um louvor de agradecimento a Deus, por estar recebendo ainda em vida aquela dádiva dos céus, que em sua humildade, julgava não merecer.

Seu amigo, respeitando aquele momento mágico, sussurrou em seu ouvido que logo retornaria para busca-lo, que tinha que resolver problemas urgentes, mas que ele não se preocupasse, não se apressasse, que ali ficasse o tempo que julgasse necessário. Ele mal ouviu, balançando afirmativamente a cabeça, sem conseguir desviar os olhos das ondas que suavemente chegavam e se misturavam à areia da praia.

Lentamente foi caminhando, estranhando a maciez do solo ao contato dos seus pés, até chegar bem próximo ao mar, sentindo, de repente, uma estranha sensação, de que já havia, em algum período da sua existência, percorrido aquele caminho, que já tinha anteriormente sentido toda aquela emoção e sem saber explicar, um sentimento de culpa e medo o invadiu, como tivesse sido ele a causa de estar a tanto tempo afastado e separado do mar, do seu amado mar.

Devido a isso, mesmo estando a apenas alguns metros dele, estancou, sem coragem de entrar, nem mesmo molhando os pés, com medo que qualquer coisa que fizesse, que qualquer outro passo que desse o afastasse de novo daquilo que para ele era todo um ideal de beleza e de vida. Uma luta íntima começou a ser travada dentro dele, uma força irresistível o atraia para aquela imensidão, mas ao mesmo tempo algo o impedia e o coagia de não prosseguir. Neste dilema, deixou transcorrer o tempo, sem noção de quanto, sem saber que atitude tomar, pela primeira vez em sua vida sentiu-se completamente só, sem ninguém para compartilhar aquele momento, recapitulou em segundos todos os amigos que até então conhecera e não conseguia lembrar-se de nenhum que pudesse compreender o que ele sentia naquela hora, que pudesse ajuda-lo.

Quando se sentia cada vez  mais solitário e deprimido, algo, como um raio, transpassou sua mente, iluminando todo o seu ser, é claro, como pode ter se esquecido, como pode ter sido tão injusto com ele ao ponto de ter se sentido só e abandonado, como pode esquecer daquele amigo que durante todos os anos de sua vida o ajudou e sustentou, que carinhosamente o amparou nos maiores sacrifícios que precisou enfrentar e superar, que sempre acendeu uma luz em seu coração quando este ameaçava escurecer devido ao desânimo injustificável que várias vezes o invadira em sua existência.

Então concentrou todo o seu pensamento naquele que sempre o guiara no caminho certo, que também tivera uma vida de sacrifícios, imensuravelmente maior que a dele, e então orou, entre lágrimas, comovidamente, intensamente, agradecendo ao se Amigo, seu eterno exemplo, seu eterno mestre e companheiro: Jesus!

Quando terminou estava totalmente tranquilo, em paz, todo aquele aperto no coração havia desaparecido e uma voz se se ouvir em seu interior, como se fosse trazida pelas ondas, em resposta às suas dúvidas:

“meu amigo não temas, lembre-se que não cai uma única folha sequer sem o conhecimento do Pai, questionas se deves ou não entregar-se ao sentimento que te atrai para o ideal que sempre idealizastes em vida, eu só posso te dar uma resposta: Aguarda!

Se encontrastes o que tanto procuravas e tua consciência te alerta, ouça-a, talvez para que de fato venhas a concretizar teu sonho algo ainda esteja faltando em teu íntimo para que, quando a ele te arrojares com toda sua paixão e toda sua energia, sejas dele e ele seja teu para toda eternidade, espere, sinta, reflita e aja, vá buscar dentro de ti o que falta, não só para molhares os pés, mas para que se banhes, se entregues de corpo e alma À felicidade suprema que só a união com o teu mais caro ideal pode te proporcionar.”

O silêncio voltou a reinar, apenas quebrado pelo murmúrio das vagas, suave brisa o envolve, fazendo sentir e respirar toda a energia dispendida pelo mar, fazendo encontrar a resposta que tanto esperava, dispersando todas as dúvidas, todos os medos. Sabia agora que, se a vida o obrigasse a voltar para o seu mundinho, se algo fora do seu controle o afastasse definitivamente de seu mar, nada mais faria com que ele duvidasse de sua existência, sim, seu mar existia!

Está ali, diante de seus olhos, vivo em toda sua imensidão e beleza, e por mais que o arrastem para longe, ele estará gravado para sempre em seu coração, e mesmo que passem séculos até que possa reencontra-lo de novo, sua imagem estará por toda eternidade em sua alma.

Sorriu, algo mudara para sempre em sua vida, um novo brilho nota-se em seu olhar, a água do seu mar estava a centímetros dos seus pés, límpida, cristalina, pura, bastava mais um único passo, sim, ele seria seu, ele seria dele, sua escolha, sua decisão, sua vida, ele, apenas ele a decidir...avançou...


Fim



Santos, 06 de julho de 1999

domingo, 12 de outubro de 2014

Feliz dia das Crianças!!!











Cães & Gatos - Um amor...quase...impossível!

2001



Acendem-se as luzes, a Mãe segura as alças de um grande cesto disposto sobre a mesa, grita, chamando pela filha.



Mãe: Carolina! Onde está você? Venha ver o que comprei...

Carolina entra em cena, vai direto à mesa, se debruçando sobre o cesto.

Carolina: O que é mamãe? Deixa eu ver...é um gatinho!
Mãe: Gatinha, e será o novo membro de nossa família! Já ia até esquecendo, Filó pode ficar com ciúmes, temos que tomar cuidado para ela não maltratá-la!
Carolina: Se a Filó se meter a besta com a... é verdade...e o nome dela qual vai ser?
Mãe: Como quer chamá-la?
Carolina: Hummm... deixa eu ver... já sei, Pituxa. O nome dela vai ser Pituxa!
Mãe: Bonito nome, bem já é hora de você tomar seu banho e você Pituxa, fique aí direitinho que a gente já volta.
Carolina: Banho de novo? Todo dia?
Mãe: Deixa de ser porquinha e já pro banheiro, vamos, vamos...



Elas saem de cena, lentamente o pano que cobre o cesto começa a se mexer, aparece então o rosto de Pituxa, ela olha em volta e vai saindo de mansinho, ao avistar o sofá dá um pulo de alegria e se joga sobre ele.



Pituxa: Finalmente um lugar gostoso, bem diferente daquela feira de animais fedorenta, mas, Pituxa? Não tinha um nomezinho melhor? Ai...ai... eu vou é descansar...



Entra em cena Filó, a cachorrinha, cheirando os móveis, olha desconfiada o cesto sobre a mesa, como não encontra nada dentro, dá de ombros e vai distraidamente até o sofá, deitando em cima de Pituxa.



Pituxa: Aiiiii! Não enxerga sua pulguenta?
Filó: Quem é você?



Começa a avançar em direção a Pituxa que se arrepia toda em atitude de defesa.



Pituxa: “Sai fora” sua cadela! Olha que eu sou faixa preta de karatê!



Simula alguns golpes e cai sentada no sofá.



Filó: E eu faixa preta de mordida, quer ver?



Avança em direção a Pituxa. Neste momento entram em cena Carolina e a Mãe.



Mãe: Pare Filó! Porque está latindo tanto para sua nova amiguinha?



Pituxa finge que está machucada, deitada no sofá gemendo.



Carolina: Mãe, ela está chorando! Filó sua feia se você machucou Pituxa você vai ver!



Ao ouvir isso Pituxa levanta a cabeça, dá um sorriso maroto para a platéia e rapidamente deita de novo recomeçando a gemer.



Filó: Vejam! Ela está fingindo!
Mãe: Pare de latir Filó! Se você continuar maltratando Pituxa vai dormir lá fora! Venha Carolina, vamos tomar um sorvetinho!
Carolina: Oba! Sorvete!



Joga Pituxa no chão e sai correndo atrás da mãe. Filó cai na gargalhada ao ver Pituxa esparramada no chão.



Pituxa: “Tá” rindo de que sua bruxa? Cuidado senão vai dormir lá fora!
Filó: Elas não teriam coragem! Você é que tem que se comportar ou vai voltar para sua feirinha de onde não deveria ter saído!
Pituxa: O mundo é das espertas minha cara, e se eu quiser você vai lá pra fora rapidinho...
Filó: Você não é de nada! Pensa que tenho medo de uma bola de pêlos?
Pituxa: É tem razão...



Vai se aproximando bem lentamente de Filó, começa a esfregar seu pelo no dela, de repente dá um salto e abraça seu pescoço, começando a gritar bem alto.



Pituxa: Socorro! Socorro! Ela quer me matar, socorro!
Filó: O que está fazendo sua maluca? Pare de gritar! Me solta, me larga...



Carolina e a Mãe entram correndo em cena.



Mãe: Que é isso Filó?



A Mãe separa as duas, Carolina pega Pituxa no colo, que finge estar desmaiada.



Carolina: Pituxa morreu mamãe, Filó matou minha gatinha!
Mãe: Calma minha filha! Ela deve ter desmaiado de susto, e você sua malvada eu avisei, para fora, vamos, já para fora!


A Mãe começa a arrastar Filó, que resiste. Enquanto isso Pituxa abre o olho, faz uma careta e dá uma piscada para Filó, que luta para não sair.



Filó: Eu sou inocente, eu juro! Ela está só fingindo, não fiz nada, quero um advogado, eu tenho meus direitos!



A Mãe leva Filó para fora de cena, Carolina continua chorando.



Carolina: Será que ela vai morrer?
Mãe: Calma minha filha, vamos chamar o veterinário, ele deve ter alguma injeção boa para nossa gatinha.



Pituxa então levanta a cabeça assustada e começa a gemer como se estivesse acordando.



Mãe: Graças a Deus!
Carolina: Ela já está boa mamãe?
Mãe: Acho que sim minha filha, vamos dormir que já é tarde, assim ela descansa...
Carolina: A Pituxa pode dormir na minha cama? Só hoje vai mãe... deeixa!
Mãe: Está bem sua chorona, mas só hoje!
Carolina: “Eba”!



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Pituxa está deitada esparramada no sofá.



Pituxa: Que beleza! Isso sim que é vida!



Entra na sala a mãe que vem trazendo Filó, cabisbaixa, triste; Pituxa dá um salto e fica em guarda.



Pituxa: Chega “pra” lá sua velha pulguenta, senão eu grito, quer ver?
Mãe: Já sabe em Filó, ou se comporta ou vai lá para fora de novo!



A Mãe sai de cena, Filó zangada e vai para um canto, enquanto Pituxa dança na sua frente.



Pituxa: Quem tem medo de cadelinha, cadelinha... la,la,la…
Filó: Você vai ver sua fingida, eu ainda vou te pegar...
Pituxa: Essa menininha está “caidinha” por mim, você não tem a mínima chance...
Filó: Essa menininha tem nome, é Carolina, a nossa dona...
Pituxa: Que dona, que nada, eu não tenho dona...
Filó: Como você pode falar assim, ela só nos dá carinho...
Pituxa: Não faz mais que a obrigação e deixa de papo furado, Dona Jiló ou será Cipó, sei lá, eu tenho que procurar algo para me distrair...



Começa a andar pela sala procurando algo diferente quando se depara com uma boneca jogada na poltrona, dá um salto e a agarra.



Pituxa: “Oba” nada como uma bonequinha bem fofinha para eu treinar minhas “garrinhas”...

Filó: Não faça isso sua “bruxinha”, essa é a boneca preferida da Carolina e não vou deixar você estragar...Carolina, Carolina...



Pituxa começa a dançar com a boneca na mão, no exato momento que Carolina vai entrar em cena, Pituxa dá um giro e arremessa a boneca, caindo bem no colo de Filó.




Carolina: O que foi Filó, porque você está latindo tanto? Filóóóóóó, o que você está fazendo com a minha bonequinha?
Mãe: O que foi minha filha? O que aconteceu agora?
Carolina: A Filó festava querendo estragar minha boneca....
Filó: Não! Eu amo vocês, são minha família! Foi esta gata malvada, que quis rasgar sua boneca...
Mãe: Quieta Filó, já chega de bagunça por hoje! Agora vamos dormir que já é tarde minha filha e você tem aula amanhã...
Carolina: Mãe, ela pode dormir comigo?
Mãe: Talvez seja melhor, até essas duas se entenderem...



Filó dá um salto de alegria.



Carolina: Vamos Pituxa, vem minha gatinha...



Pituxa caminha toda orgulhosa até Carolina e saem abraçadas.



Filó: O que fiz de errado? Antes eu era a melhor amiga de Carol, estávamos sempre juntas, agora ela só pensa naquela gata falsa que nem liga para o seu carinho...



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Acendem-se as luzes, Filó deitada, triste, entra Pituxa se espreguiçando.



Pituxa: Que noite maravilhosa, se não fosse aquela chatinha me abraçando, tem que ver menina, ela quase me estrangula!
Filó: Como pode reclamar, ela adora você...
Pituxa: Humanos são todos iguais, para eles somos só um brinquedo, depois se cansam e mandam a gente embora como se fossemos uma boneca velha...
Filó: Carolina nunca faria isso...
Pituxa: Eu não “to” nem ai, o importante é aproveitar o quanto durar, puxa, estou com uma fome, não tem “rango” neste “barraco”?



Carolina entra em cena, juntamente com Paulinho.



Carolina: Venha Paulinho, venha conhecer a Pituxa!



Ela senta-se no sofá e agarra a Pituxa que tenta se soltar.



Pituxa: Solta, me solta, que coisa...
Paulinho: Deixa eu pegar um pouco...
Carolina: Claro, senta aqui...



Paulinho senta do outro lado do sofá, bem em cima do rabo de Pituxa.



Pituxa: Aiiiii! Olha por onde senta!



Paulinho tenta abraçar Pituxa, que se debate, eles riem.



Pituxa: Engraçado, muito engraçado, solta, me solta...



Ouve-se a voz da mãe de Carolina.



Voz da Mãe: Carolina! Foi você quem chegou?
Carolina: Foi mãe!
Voz da Mãe: Então vai lavar as mãos e venha comer, o almoço está pronto...
Pituxa: Almoço?
Carolina: Mãe! O Paulinho veio almoçar com a gente, a mãe dele deixou...
Voz da Mãe: Então venham crianças e não esqueçam, lavem as mãos...



Eles saem correndo e rindo de cena.



Pituxa: Viu só! Ela nem convidou a gente para almoçar...



Neste momento entram pela porta silenciosamente dois meninos, Filó e Pituxa se assustam.



Pedro: Veja Lucas, que casa “maneira”, vamos ver o que tem de bom por aqui...
Lucas: Vamos embora, Pedro, pode aparecer alguém e aí vai sobrar pra nós!
Pedro: Fica quieto seu “cagão”! Aposto que está se borrando todo! Brummmm!
Lucas: Eu não tenho medo de nada, “veio”!
Pedro: Sei, agora fique quieto, olha...acho que vi um lindo gatinho, vi sim e uma cachorra com cara de boba, “cara” arrumamos um belo brinquedo para hoje...
Pituxa: Viu só Dona Filomena, que culpa tenho se todos gostam de mim...
Filó: Sei não, estes garotos são estranhos, acho melhor chamar Carolina...



Ameaça gritar, mas Pedro vai até ela e segura sua boca.



Pedro: Rápido pegue o gato e vamos cair fora antes que apareça alguém!



Lucas então corre na direção de Pituxa e antes que ela possa esboçar qualquer reação, a agarra e arrasta para fora do palco, enquanto isso Pedro dá um chute em Filó e sai correndo tropeçando na mesa e derrubando o vaso que está em cima. Filó se ergue, vai até a porta e começa a gritar.



Filó: Parem, voltem aqui! Carolina! Carolina!



Entram em cena Carolina, a Mãe e Paulinho.



Mãe: Filó, o que foi? Meu Deus que bagunça! Você fechou a porta como eu mandei minha filha?
Carolina: Acho que não mamãe, veja, Filó está mancando, e Pituxa? Onde está a Pituxa?
Filó: Os meninos levaram ela...
Mãe: Calma minha filha, vamos procurá-la pela casa, ela deve ter se assustado e se escondeu em algum lugar...
Carolina: Foi a Filó que quis maltratar a Pituxa de novo, tenho certeza...
Paulinho: Calma Carolina, minha mãe sempre fala que nunca devemos acusar alguém sem saber...
Mãe: Paulinho tem razão, Carolina, vou procurar aqui em casa, vocês vão procurar lá fora, ela tem que estar em algum canto...



Filó fica sozinha na sala.



Filó: Nunca faria nada que deixasse Carolina triste, só falta agora sobrar para mim, bem feito para Pituxa, quem manda ser folgada? E agora o que faço? Ajudo ou não ajudo aquela gata?



Anda de um lado para o outro procurando tomar uma decisão. Joga-se no sofá e tenta dormir; rola de um lado pro outro, inquieta. Ouve-se ao fundo.



Voz de Carolina: Minha gatinha, onde ela foi parar? Pituxa, cadê você?
Voz de Paulinho: Vamos encontrá-la, não chore...



Filó dá um salto do sofá, com ar decidido, sai correndo de cena.



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Acendem-se as luzes, Lucas, Pedro e Pituxa ao centro. Pedro com um isqueiro ameaça queimá-la.



Pituxa: Socorro! Alguém me ajude...
Pedro: Pare de gritar, você vai dizer onde escondeu o mapa do tesouro, ou será queimada viva...
Lucas: É só uma gata, ela não fala...
Pedro: Eu sei, burro! Nós estamos brincando de pirata, esqueceu?
Lucas: Só que ela não vai falar e o que faremos?
Pedro: Botar fogo nela é claro! Com tanto pelo, vai ser uma festa, veja só...



Encosta então o isqueiro no pêlo de Pituxa que grita e se esperneia, assoprando tentando apagar o fogo.



Pituxa: Socorro, “to” queimando, pare com isso menino, pare, ai, ui, ai, ui...
Pedro: Não quer entregar o mapa? Então vai virar “churrasquinho”...



Quando estão prestes a queimá-la entra correndo Filó e parte na direção deles.



Filó: Parem com isso seus moleques, vocês vão ver como é bom mexer com a Super-Filomena...
Pedro: “Xô” vira- lata, “xô”...
Lucas: Corre, esta cachorra está louca...



Eles saem correndo de cena.



Filó: Isso mesmo, caiam fora!



Pituxa está com a cabeça coberta pelas patas, tremendo de medo.



Filó: Pronto, Dona Pituxa! Pode parar de tremer, eles já foram...
Pituxa: Quem mandou se meter, eu tinha tudo sobre controle, ia dar uma lição naqueles moleques...
Filó: É mesmo? Bom então vou indo, já que você se vira tão bem sozinha, acho que deve conhecer bem o caminho de volta...
Pituxa: Espere! Vou junto com você, estes meninos podem aparecer e alguém tem que te proteger, você não sabe fazer nada sozinha!
Filó: Vamos logo então, Carolina está desesperada!
Pituxa: Ela que espere...
Filó: Como você pode ser assim?
Pituxa: Já disse que não estou nem aí e...opa...”sujou”...



Entram em cena os dois meninos, cada um com um pedaço de pau na mão, Lucas também tem uma corda.



Pedro: Aí estão elas, pensam que podem nos vencer? Sou o capitão mais temido dos sete mares e vocês vão dizer onde está o tesouro!
Lucas: Mas eu já disse que eles não falam, são só animais!
Pedro: E daí? Você é burro e fala, qual a diferença?
Filó: Do que eles estão falando? Que tesouro? Seja o que for devolva para eles!
Pituxa: Que tesouro? Só se for “cocô” de gato, aí pode ter certeza que tenho bastante para dar...
Pedro: Vamos pegá-las, ao ataque!
Filó: Foge Pituxa, corra!



Eles vão na direção de Filó e Pituxa. Lucas empurra Pituxa que bate com a cabeça e desmaia. Enquanto isso Pedro cerca Filó ameaçando bater com o pau.



Pedro: Agora, passe a corda pelo pescoço!



Lucas então corre, passa a corda no pescoço do Pedro e começa a arrastá-lo



Pedro: Em mim não! Na cadela, “sua anta”!



Lucas amarra Filó e a prende em um poste.



Pedro: É agora! Vamos torturá-la, tenho certeza que ela vai abrir o bico!
Filó: Venham! Podem vir! Não tenho medo de vocês!




Os meninos então começam a bater com os paus em Filó que tenta se defender, os latidos despertam Pituxa que meio tonta vê o que está acontecendo; ela com medo, finge que ainda está desmaiada, mas quando Pedro acerta Filó, que grita de dor, Pituxa dá um pulo e fica de pé, os meninos não percebem.



Pituxa: Agora chega!




As luzes então diminuem, o palco em penumbra, um foco de luz vai acendendo gradativamente sobre Pituxa, que veste um quimono, com uma faixa preta. Quando o foco estiver totalmente aceso, ela está acabando de amarrar uma fita na cabeça.




Pituxa: Iaaaa! Uuuuuuu!Uuuuuuu!




As luzes deverão voltar ao normal no momento do primeiro grito, Pituxa então começa a simular golpes de karatê.



Pedro: Que é isso? Estou sonhando?
Lucas: Acho melhor a gente cair fora!
Pedro: “Tá” com medo de quê? É só uma gatinha vira-lata!
Pituxa: Só uma gatinha vira-lata? Pois saibam, que sou “Pituxa Kid”! Iaaa!



Ela então pula em cima deles, e começa a desferir golpes, eles caem no chão assustados, Pituxa aproveita, corre e solta Filomena.



Filó: Agora vocês vão ver seus moleques!
Pituxa: É isso aí, somos Batman e Robin!
Filó: Mas eles são homens!
Pituxa: É verdade, então somos as meninas-superpoderosas!



Pulam para cima deles, que saem correndo.



Filó: Puxa, eu não acreditei que você fosse faixa preta de karatê!
Pituxa: Para falar a verdade nem eu! Agora vamos!
Filó: Vamos, Carolina deve estar muito triste, ela gosta muito de você.
Pituxa: É mesmo...coitada...
Filó: Ué...


Elas vão saindo devagar, mancando.



 - 0 - 



Carolina está chorando no colo da mãe, Paulinho triste no outro canto do sofá, quando entram em cena, mancando, Filó e Pituxa.



Filó: Ai...ui...
Pituxa: Ui...ai...
Filó: Ai...ui...
Pituxa: Ui...ai...



Carolina grita de alegria e corre para abraçar Pituxa.



Carolina: Pituxa, você voltou! Está toda machucada, o que houve?
Mãe: Filó, também está machucada, andaram brigando de novo?
Carolina: Está vendo mamãe? Eu falei, foi a Filó, ela não gosta da Pituxa e acho que nem mais de mim, manda ela embora...
Mãe: Acho que você tem razão, por enquanto vamos amarrar Filó lá fora, depois a gente vê o que faz...



A mãe caminha em direção a Filó que recua assustada, Pituxa dá um salto e se põe na frente de braços abertos.




Pituxa: Parem, a culpa não foi dela, foram os meninos, ela me salvou...
Mãe: O que deu nesta gata agora?
Paulinho: Acho que ela quer dizer que a culpa não foi da Filó...
Carolina: Será? Mais por que estão machucadas então?
Paulinho: Vai ver que Pituxa se meteu em alguma encrenca e Filó a salvou...



Pituxa começa a saltar e afirmar com a cabeça.



Pituxa: Isso! Foi isso mesmo!
Mãe: Pelo jeito Filó é mesmo inocente...
Paulinho: Acho mesmo que ela é uma heroína...



Pituxa pula de novo.



Pituxa: É verdade, difícil de acreditar, mais é verdade...
Filó: Muito engraçada, não adianta, eles não entendem...



Carolina corre e abraça Filó.



Carolina: Obrigada Filó por salvar Pituxa, eu amo você, amo vocês...
Filó: Obrigada, Carolina, eu também te amo, isso me beije, eu gosto, me beije...
Pituxa: Que nojo, toda babada...
Mãe: Bem, já que está tudo em ordem, vamos, vou fazer pipoca para vocês...
Carolina: Oba, pipoca!
Paulinho: Isso que é um final feliz, está vendo Carolina, nunca devemos julgar ninguém...
Carolina: É verdade, ”tadinha” da Filó...
Mãe: Agora vamos, a pipoca nos espera...
Paulinho/Carolina: Oba!



Os três saem de cena



Filó: O que deu em você agora? Essa eu não entendi, você me protegendo? Está se sentindo bem?
Pituxa: Sabe o que é dona Filomena, é que você tem razão, agora eu vivo em uma verdadeira família, todos me amam, até você! Mesmo depois de tudo que lhe fiz, foi em meu socorro e me salvou de virar churrasquinho de gato. Eu também aprendi a gostar de você e de agora em diante nunca mais vou fazer nada que a prejudique ou que a deixe triste...nada...




Filó então lhe dá um abraço bem apertado, depois ajeita uma almofada no sofá e quando vai deitar, Pituxa corre deitando em seu lugar, fazendo com que Filó cai no chão, Pituxa deita, preguiçosamente.




Pituxa: Não vamos exagerar, é claro...




Apagam-se as luzes.

Cai a cortina.                                                               

                        









sábado, 4 de outubro de 2014

Me dá um colinho?




Outro dia, parado estava à espera que o semáforo abrisse, quando observei no ponto de ônibus próximo um casal conversando, enquanto o filho pequeno, puxando a calça do pai, tentava atrair sua atenção, erguendo o outro braço e acenando a mãozinha, deixando claro, mesmo que não pudesse ouvi-lo, o que queria, um colo. O pai, entretanto, animado na conversa com a mãe, ainda continuava a ignora-lo, mas ao abrir o sinal, de relance, ainda pude ver ele se abaixando e erguendo o gurizinho, que reconhecido, o abraçou feliz.


Na continuidade do meu trajeto, dirigindo distraído com meus pensamentos, no caos do trânsito, normal para o horário do rush, onde, apressadas, as pessoas ansiavam para logo chegar em seus lares, alforriados de mais um dia estafante de trabalho, alguns para descansar, outros para algo aproveitarem do tempo para passear, ir à academia, ou na continuidade de compromissos, estudar, indo para mais uma maratona em escolas, faculdades, cursos, ávidos sempre em aproveitar ao máximo o tempo para alcançarem aos seus objetivos, aos seus mais variados sonhos, correndo tanto que as pequenas coisas acabam por passar despercebidas, pequenas? que digo eu? grandiosas coisas, mas que por sua simplicidade, acabam ficando para trás, para segundo plano.


Coisas simples, como um simples colo, e foi pensando nele que prossegui meu trajeto, desligado do burburinho das buzinas, das freadas, das fechadas, deixando-me levar pelas recordações, pelas lembranças do tempo que a minha filha pedia um colo, e nele se aconchegava, fosse em casa, na rua, nos passeios, nas festas, quando afogueada e cansada de suas correrias, buscava uma pausa, um descanso, no colo do seu paizinho.


Não posso ignorar hoje, como não ignorava na época, que na maioria das vezes que ela me pedia colo, fosse como o garotinho que vi a poucos instantes, em um ponto de ônibus, ou na fila do supermercado, ou quando voltávamos da praia após um belo domingo de sol, e foram muitos, ou até mesmo nos passeios que fazíamos a pé até os parques, até as praças, aos shoppings, que ela o fazia alegando cansaço, ou que a perna estava doendo, ou outras justificativas e bem pouco convincentes desculpas, já que estava mesmo é tentando esconder a preguicinha, cheia de manha, usando de uma suave tirania, impondo com seu sorriso meigo ou com seu choramingar, um assumido abuso para com a boa vontade do papai.


Só que na verdade, e ainda bem, para mim e para ela, essa boa vontade nunca faltou, mesmo quando eu relutava, quando contra-argumentava, quando negava, quando entrávamos em disputa, em negociação, sobre a necessidade ou não do colinho, tanto que ela já sabia, como eu já tinha certeza, de quem sairia vencedor ao final do embate, quando ela, sorridente e satisfeita, erguia os bracinhos e em um pulo estava no meu colo, logo se ajeitando, mas preciso lhe fazer justiça, era um colo sempre acompanhado com um apertado abraço, um sorriso lindo, e um estalado beijo.


E assim foram vários anos, com incontáveis colos, com inúmeros abraços e beijos estalados.


E tanto foram eles, que até mesmo quando já contava com seus oito ou nove anos, em situações especiais, de manhas especiais, lá estava ela, com os braços estendidos:

- Pai, me dá um colinho?

E durante todo esse tempo, a principal razão, o principal motivo, para que eu, apesar da simulada relutância, da fajutada argumentação que eu tentava impor, sempre dissesse "sim" e nunca disse "não", foi por ter plena consciência de que um dia, mais cedo ou mais tarde, isso não mais iria acontecer, ela não mais iria querer ou precisar do meu colo, não mais estaria ali, embaixo, olhando para cima, de bracinhos estendidos, pedindo manhosamente um colinho, que chegaria o dia que ela já me olharia de frente, sorridente e manhosa como sempre é claro, mas já não mais precisando que eu a tomasse nos braços e a carregasse por aí, contando e recontando histórias e estórias, como sempre fizemos.


Cada vez que a pegava no colo, por mais que
 estivesse cansado, estressado, triste, nervoso, eu sabia que tinha que aproveitar ao máximo, por que um dia, breve, isso não mais iria ocorrer, como é hoje em dia, e ainda bem que assim pensei e agi, porque aproveitamos muito, eu e ela, a todos os colos, todos o abraços, todos os beijos estalados que tínhamos direito, o que com certeza muito contribuiu para que fossemos, como o somos até hoje, muito mais que pai e filha, mas sim, e principalmente, grandes amigos.


Muitos pais negam aos seus filhos, em diversas ocasiões, o colo, e são várias as razões, vários os motivos, mas um dos que mais ouço, é que fazem isso, para não deixar seus filhos mal acostumados, para que eles não fiquem "mimados".


Façamos, então, devido a nossa ignorância linguística, uma pequena pausa, para investigar no nosso amigo dicionário, o que vem a ser afinal este "mimado", e porque é assim tão temível, ao ponto de servir de justificativa para uma avalanche de "nãos", que as crianças recebem quando pedem para si um simples e despretensioso colinho.      




MIMADO:

Adjetivo.

1. tratado com mimo, acarinhado;

2. pejorativo: que tem mimo em excesso;




Acarinhado, que recebe carinho!



Mimo, um gesto ou expressão carinhosa, tratar alguém com delicadeza, dar um afago, fazer uma carícia!



Se é isso que significa ser mimado, então por Deus, vamos mimar as nossas crianças, vamos mimar não só os nossos filhos, mas todas as crianças, porque o que falta para elas hoje em dia é exatamente isso, MIMO, amor, carinho, dedicação, ATENÇÃO.


Quem sabe se TODAS as crianças fosse mimadas não precisaríamos hoje estar discutindo sobre a diminuição da maioridade penal, porque é fácil tratar do efeito, como é fácil levar nosso filho ao dentista quando ele está com dor de dente, em vez de ter tido um pouco mais de ATENÇÃO, para saber se ele estava escovando seus dentes devidamente.


Precisamos são combater as causas, precisamos prevenir, precisamos MIMAR nossas crianças, porque me recuso a acreditar que um menor que hoje é infrator, seja de qual classe social ele pertença, já que em todas eles estão presentes, pobres ou ricos,  se tivesse tido a devida atenção, se tivesse sido tratado com respeito, com amor, com carinho, se tivesse recebido em sua educação os valores e os EXEMPLOS éticos de seus pais ou dos que são responsáveis por sua criação, ele teria se desviado para um caminho de crimes, de drogas, de desregramentos.


Não posso acreditar, claro que posso estar errado, se os pais conversassem mais com seus filhos, se não o escutasse apenas, fazendo hum...hum...e falando depois a gente vê isso, mas os ouvissem de fato, prestando atenção em sua dúvidas, explicando com calma o que são as coisas que despertam sua atenção, mesmo que ele perguntasse dez vezes a mesma coisa, se as crianças se tornariam menores infratores.


Não posso acreditar que se em vez de simplesmente falar um não para uma criança, sem ao menos prestar muita atenção no que ela está dizendo, nos preocupássemos em explicar o porque do não, o porque do sim, se realmente o nosso não se baseia em um motivo justo, ou só porque estamos cansados, ou distraídos com outra coisa, ou porque o que estamos fazendo seja mais importante, as nossas crianças se tornariam menores infratores.


Antes que venhamos a falar de falta de tempo, se você faz academia, se você sai para ir a restaurantes e pizzarias, se você vai a festas, se você assiste sua novela ou seu jogo de futebol, se você lê livros, revistas, navega na internet, se sai com os amigos ou amigas, se passeia no shopping, não venha me dizer que não tem tempo para conversar com seu filho, para passear com ele, para jogar seu joguinho, para prestar atenção em suas dúvidas e necessidades, se não tempo para pega-lo no colo, porque o seu problema não é falta de tempo, mas sim, o de definir as suas prioridades.


Existem várias crianças que hoje, estão nos orfanatos, na ruas, em lares desajustados, que precisam exatamente disso, de um colo, de serem MIMADAS, e como me disse recentemente uma pessoa que admiro muito, que considero minha amiga, a responsabilidade não é só do governo, mas de todos nós, a sociedade é que tem que se organizar para mima-las, para pega-las no colo, e não simplesmente se unir para colher assinaturas para que elas no futuro venham a ser punidas ou presas com menos idade do que são hoje.   


Quanto a segunda definição da palavra MIMADO, não vou nem comentar, porque mimo não pode ser tratado de forma pejorativa, não há excessos onde há educação, se os pais são educados, eles saberão educar seus filhos, sem excessos de mimos e sem excessos de disciplina, se os pais forem os exemplos do que falam, do que permitem, do que negam, seus filhos, mesmo os que tenham o espírito mais rebelde, irão aos poucos se moldar, se um pai ensina o filho a burlar a lei, a furar a fila, a ser mais "esperto" que o outro, não queira esperar que a criança vá seguir um caminho diferente, alguns até vão, porque apesar dos exemplos, possuem um espírito forte o suficiente para resistir, mas são exceções e não regras.


E para encerrar meu devaneio, já que cheguei ao meu destino, em uma coisa me enganei, as crianças crescem sim, mas a necessidade do colo não acaba nunca, qual de nós que mesmo hoje, não precisa as vezes de um colo, de um carinho, de uma atenção, de um mimo, qual de nós que pode se considerar tão forte que não passe por momentos de dúvida, de medo, de tristeza, que não precise de um afeto, de um ombro amigo, de uma palavra de incentivo, vamos falar a verdade, de um colo!


E cá entre nós, até mesmo as vezes com um pouco de manha, exagerando um pouco, só para ganhar aquele carinho, aquele colo, afinal, um pouco de mimo nunca é demais...inté...