quinta-feira, 26 de março de 2015

Persistir...







Se preparar devidamente para realização de uma tarefa é de fundamental importância para que essa seja realizada com êxito, mas, apenas este fato, por si, não garante que isso irá ocorrer, dependendo sempre do real desempenho do trabalhador frente aos desafios que surgirem para que o objetivo seja alcançado.

Desde jovem alguém pode aspirar a ser médico, e, com total apoio dos pais, consegue passar por todas as etapas da educação escolar, engaja-se no estudo, noites de vigília, renúncia a divertimentos típicos da idade, presta o vestibular e passa entre os primeiros, e ao iniciar a faculdade, nas primeiras aulas práticas, deixa-se arrastar pelo medo, pela dúvida, pela indecisão, descobre sua fraqueza ao conviver com a dor, com o sofrimento físico, com as feridas, com a morte, desiste e não consegue concluir o curso, entrega-se ao desespero e ao desânimo pela derrota, desperdiçando todos os esforços, todos os anos de estudo, de dedicação, de concentração, de renúncias, não só seus, mas, daqueles que o apoiaram e o patrocinaram, para que seus objetivos, seus ideais, fossem alcançados.

Falta de fé, falta de determinação, de coragem, de persistência, de seriedade, como nós, encarnados ou desencarnados, que abandonamos os trabalhos e as tarefas cristãs que havíamos assumido, os compromissos com o Espiritismo que prometemos honrar e cumprir.

No início, o entusiasmo, a ânsia de aprender, de estudar, em nos apresentar para os mais diversos trabalhos, as mais variadas funções, eufóricos em participar de forma efetiva em tarefas do centro que escolhemos frequentar, levados pela curiosidade, pela necessidade, ou por interesse em conhecer algo que nos faça crescer espiritualmente, imaginando-nos importantes lidadores espíritas, seja como médiuns, doutrinadores, dirigentes, auxiliando aqueles que precisam, sofredores, doentes, pobres, carentes, verdadeiros campeões de caridade, de participação efetiva  na Seara do Senhor.

Lemos, estudamos, ouvimos lições, exemplos de trabalhadores espíritas, instrutores, benfeitores espirituais em diversas tarefas realizadas, tanto no plano físico, como no espiritual e que nos estimulam, nos fascinam e nos fazem idealizar novos caminhos, novos desafios a vencer.

Tudo que vemos de fora, que vemos o exemplo, que conhecemos a história, é bonito, é estimulante, é motivacional, assim como o jovem descrito anteriormente que via nos médicos, seu ideal de vida, salvar um paciente, descobrir doenças, acertar diagnósticos, ser importante, ser louvado, elogiado e admirado.

Toda tarefa, por mais estimulante, por mais sublime, vantajosa, importante, também tem seus momentos de dor, de esforço heroico, de críticas, de fracassos, de erros, de difícil execução, que geram dúvidas, desânimos, receios, incertezas.

Muitos procuram sempre funções que trazem notoriedade, admiração, tanto que as profissões que mais admiramos quando encarnados e que muitos sonhamos em realizar, são as dos artistas, dos desportistas, dos políticos, das celebridades, dos famosos, onde o brilho, o destaque, fazem com que sintamos orgulho pelas conquistas, muitas delas efêmeras, mais que causam um sentimento de falsa superioridade e sucesso.

Também eles, estas celebridades que admiramos e invejamos, enfrentam momentos de dor, de sofrimento, de indecisões, de medos, de desânimo. A falta de privacidade, a falta de liberdade, a cobrança contínua, a crítica feroz, a necessidade de se manter no topo, em evidência, a dúvida sobre a sinceridade nos sentimentos das pessoas que se aproximam se dizendo amigas, fazem com que muitos não suportem ou administrem de forma errônea o sucesso ou o fracasso que resultam e alcançam em seus trabalhos, entregando-se as drogas, aos vícios, aos desregramentos, aos desvios sexuais, dando mais argumentos para aqueles que com mesmo prazer que os colocaram em evidência, os soterram no ostracismo.

Assim também ocorre nas tarefas cristãs, nas realizações espíritas, muitos se comprometem, se empenham, levados pelo entusiasmo, em  diversas áreas de atuação, querem ser médiuns e receberem belas mensagens dos benfeitores espirituais, querem ser doutrinadores respeitados no trato com espíritos que sofrem ou que estão entregues ainda ao mal, oradores eméritos levando a esperança, a fé, as lições do Mestre e dos amigos espirituais aqueles que buscam orientação e consolo, médiuns passistas, curadores, levando o alívio físico e espiritual aqueles que necessitam.

Válido, louvável, porém, entre o querer e o fazer existe uma considerável distância, quase tão grande como a que existe entre o fazer e o fazer bem.

O entusiasmo, a euforia, geralmente cega àquele que por eles se deixa levar, impedindo-o de enxergar que o resultado para o sucesso do empreendimento, tem que passar por todos os obstáculos encontrados durante a realização, exigindo para isso o esforço, a dedicação, o suor, o estudo sistemático, o aprendizado constante, a renúncia de muitos dos prazeres da sociedade, a disponibilidade do tempo, a assiduidade, o comparecimento, a constância e isso sempre convivendo com a crítica, com a censura, com os que são mal agradecidos, com aqueles que esperam milagres e não se contentam com promessas, com a decepção das tentativas mal sucedidas, com o desprezo de amigos que não aceitam sua religiosidade, com a falta de compreensão de familiares, com os fracassos, com as derrotas, com os maledicentes, com as injúrias, por parte daqueles que se julgam enganados porque procuram milagres e não trabalho, esforço, paciência.

Muitos após o entusiasmo inicial, abandonam, desistem, fogem das responsabilidades e por não admitirem o próprio fracasso, a própria fraqueza, ainda saem criticando, menosprezando, agredindo a Doutrina e seus antigos companheiros de tarefas, tornando-se um inimigo gratuito daquela que é só amor, só tolerância, só perdão, só caridade, baseada que é nos conceitos de Nosso Amado Mestre Jesus.

Tudo exige esforço, dedicação, estudo, método, discernimento, compreensão, lucidez, tranquilidade. Ninguém é perfeito, nem os que trabalham no centro espírita, nem os que o procuram para solucionar seus problemas, físicos ou espirituais.

Muito acertaremos, muito erraremos, teremos vários sucessos, amargaremos diversos fracassos, receberemos elogios, agradecimentos, críticas, ofensas, o principal, o remédio, a fórmula para que consigamos superar todos obstáculos e dificuldades e continuar no trabalho espírita, é saber que o trabalho pertence a nós, mas, o resultado pertence a Deus.

Temos que fazer a nossa parte e seguir adiante, dar sempre o melhor de nós, aceitar críticas, avaliar procedimentos, mudar o que está errado, melhorar o que está certo, cientes que, mesmo quando já temos algo a ensinar, ainda assim somos meros aprendizes e o seremos sempre, assim como são nossos benfeitores espirituais e os espíritos superiores do nosso planeta.

Não podemos é desistir, é abandonar, é rejeitar a Verdade que nos trouxe o Consolador Prometido, temos que ter a humildade de não esperarmos nada mais do que Jesus teve com todo seu heroico esforço de nos trazer o Caminho, a Verdade e a Vida.

Não conseguiremos agradar a todos, mais conseguiremos ajudar a muitos, impossível acertar sempre, mais inaceitável errar consciente. Persistentemente, nós temos o dever de fazer sempre o melhor e cumprir com todas as responsabilidades que assumimos, porque a mais simples tarefa cristã, sempre está ligada a realizações de outras pessoas, encarnadas ou desencarnadas.

Não há espaço para mágoas, melindres, deserções, quem é espírita é trabalhador fiel da Seara de Jesus, não é e ainda demorará séculos para ser perfeito, mas, em toda circunstância, todo momento, todo pensamento, toda palavra, se esforçará sempre para sê-lo, com a Graça de Deus.


O fracasso não ocorre somente pelo desânimo, mais pelo excesso de entusiasmo, não só pelo medo, mais pela coragem desajustada, não só pela ignorância, mas, pelo mau uso da inteligência, não só pela falta de fé, mas, pela má interpretação daquilo em que se crê. 

Como para tudo na vida, espiritual, física, encarnada, desencarnada, o caminho para vitória, obrigatoriamente, passa por ele, pelo fator mais importante para todo aquele que almeja sua transformação para o bem: o Equilíbrio.

E assim vamos tentando entender, assimilar e vivenciar, como se fosse fácil...

sexta-feira, 20 de março de 2015

"Médium"






Existem médiuns e médiuns espíritas. Médium significa medianeiro, ele é a ponte entre dois extremos, dois mundos, o físico e o espiritual, entre os encarnados e os desencarnados. A Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec, não criou o intercâmbio, este existe desde os mais remotos tempos, eram os oráculos, os adivinhos, as vestais, existindo até mesmo entre os selvagens, quando os pajés, os feiticeiros, mantinham constante comunicação com os mortos.

Umbanda, candomblé, catolicismo, todas as religiões e seitas possuem em sua história, antiga e atual, fatos reais de comunicação entre os dois planos, aviso de santos, visita de anjos, visões, caboclos, preto velhos, uma variedade de situações e acontecimentos, onde o intermediário, o médium, de forma atuante, facilita, através da combinação fluídica, a comunicação entre o mundo corpóreo e o espiritual, agindo e influenciando a vida de todos os envolvidos, isto, através de todos os tempos.

O médium espírita é aquele que serve a este intercâmbio como instrumento nas comunicações realizadas, de acordo com os preceitos da Doutrina Espírita, nela baseando as comunicações, as formas com que se realizam, os objetivos que se propõe alcançar, a conduta, a postura, agindo conforme foi orientado pelos próprios espíritos quando na formulação das Obras Básicas da Doutrina, das informações reunidas, ordenadas e devidamente estudadas e comprovadas por Allan Kardec.

No Livro dos Médiuns encontramos, devidamente, estudados e especificados, os conceitos, as regras, as dificuldades, os escolhos, que existem no caminho de todo aquele que tem como objetivo dedicar-se a mediunidade, fazendo com que aqueles que menospreze ou ignore seus conceitos, possa vir a não dispor de todos os parâmetros necessários para desenvolver suas tarefas mediúnicas, comprometendo a seriedade do que venha a receber, das comunicações que sejam dadas por seu intermédio, porque lhe faltarão critérios para analisar o conteúdo e a veracidade doutrinária que os espíritos que agiram por seu intermédio trouxeram, podendo vir a prejudicar não só a si mesmo, como aqueles que buscam seu arrimo como interprete da espiritualidade, os que o buscam para que, de alguma forma, os auxilie em suas dificuldades físicas e espirituais.

O médium espírita é aquele que agrega em si as leis morais, os ensinamentos cristãos, não que lhe exija a perfeição, mas, que se esforce ao máximo para pensar, falar e agir conforme os conceitos básicos, os exemplos do cristianismo e do espiritismo. Não se pode supor um médium espírita que durante o dia se entregue aos vícios, as paixões inferiores, a sentimentos e atitudes negativas, onde a impaciência, a cólera, a inveja, o egoísmo, o orgulho imperem, e a noite, durante as reuniões do centro que frequenta se “santifique”, esperando se tornar um instrumento fiel e passivo da espiritualidade superior. É uma questão de lógica, de bom senso, devendo todos estar ciente que o ensinamento do Mestre Jesus, quando Ele diz que a cada um será dado segundo as suas obras, não é por acaso ou sem fundamento.

Apesar de o médium espírita ser apenas o intermediário, o instrumento, sua passividade está condicionada ao que ele é como ser humano. Como espírito livre tem todo o direito de agir como melhor lhe aprouver, não sendo obrigado e nem constrangido a nada fazer que não deseje. Ele, como todos nós, tem o direito, inalienável, de utilizar como melhor desejar seu livre-arbítrio, entretanto, da mesma forma que pode agir e viver como desejar, a espiritualidade superior pode se servir ou não do seu dom mediúnico, pois, se ele tem respeitado seu direito de ação, também precisa estar consciente que nada deverá esperar no que se refere as atividades espíritas se não o fizer por merecer, com esforço próprio, com dedicação e atitudes voltadas ao bem.

Vaidade, preconceito, egoísmo, ambição, orgulho, prepotência, são sentimentos que não compactuam com o médium espírita, então, aquele que age desta forma, não pode esperar nada de bom em suas comunicações com a espiritualidade, porque, como os semelhantes se atraem, se sintonizam, só terá como companhia imediata, por sua própria escolha, espíritos que, por similitude, se interessem por seus mesmos gostos, com seus desejos, com sua postura, com sua forma de agir e pensar.

Para ser um médium espírita atuante, produtivo, eficaz, eficiente, faz-se necessário uma reforma interior, uma luta constante contra as conhecidas deficiências espirituais de sua personalidade cármica, aprendendo a condicionar seu espírito, sua mente a agirem em todos os instantes de sua vida, em todas as situações cotidianas, de acordo com os conceitos que norteiam a existência de um homem de bem, um homem cristão, com a bondade nos pensamentos, nas palavras, nos atos, sendo tolerante, paciente, humilde, sempre disposto a servir, a auxiliar, a perdoar as ofensas, a relevar as críticas, e tudo isso só depende unicamente de si mesmo, e com isso estará bem mais próximo de conquistar o que de mais importante todo trabalhador espírita pode e deve possuir: o Equilíbrio.

Todo esforço, todo desejo, toda a determinação que demonstrar para corrigir suas atitudes, sua postura, não se perderá, não será em vão, não ficará sem a resposta e o auxílio por parte da espiritualidade superior.

Se o tarefeiro tudo faz para conquistar seu equilíbrio, os benfeitores espirituais tudo farão para que os fatores externos não o prejudiquem, não dificultem o seu êxito.

Tranquilidade para enfrentar possíveis problemas materiais, financeiros, familiares, profissionais, tudo será feito para que o esforço do trabalhador fiel seja recompensado, não que este ficará isento de problemas, mas, sim, que terá energia e paz para suportá-los e superá-los. Esta certeza, este arrimo, nos trás também a compreensão que o trabalho espírita, o trabalho cristão, se assemelha a qualquer outra tarefa, onde a recompensa é sempre proporcional ao serviço realizado e também que esta vem sempre após o efetivo cumprimento do dever e não como muito esperam, que é ser recompensados antes, condicionando, riqueza, saúde, conforto, bens materiais para poder vir a trabalhar em prol do próximo ou da sociedade onde vive.

Dar para receber, lutar para poder vencer, do esforço vem a ascensão, do trabalho virá a evolução, Deus a tudo provê, e de nós Ele espera apenas a ação, a boa vontade, o esforço, o sacrifício, o suor.

Todos que trabalham na Doutrina Espírita possuem responsabilidades, oradores, palestrantes, médiuns, dirigentes, ajudantes, e, seja qual for a atividade, acima de qualquer coisa, precisam ser, de fato, ESPÌRITAS, pensar, agir, falar, viver, trabalhar, agir, seja, no centro, no lar, no serviço, no lazer, sempre de acordo com os ensinamentos e conceitos doutrinários. Vale mais ser um bom ajudante, que um péssimo médium, um bom dirigente que um confuso palestrante.


Espírita não é apenas um título, é um modo de vida, porque a responsabilidade maior não é a com a nossa necessidade e sim com a daqueles que nos buscam atrás de arrimo, de orientação, de também poderem conhecer as lições e os exemplos do Nosso Mestre Jesus, de se capacitarem para evoluir através dos preceitos do Consolador Prometido, do Espiritismo, cabendo a cada um agir sempre com seriedade, com a humildade e o sincero desejo de servir, com o mais puro amor no coração.

quarta-feira, 11 de março de 2015

"Família"





Reunidos em uma mesma família, cada um de nós é uma individualidade cósmica, com características próprias, e nossa forma de agir, mesmo sendo, por vezes, similar com os outros membros do grupo, devido a educação e a vida em comum, devido a transmissão de valores durante o crescimento, ratificada pela afinidade espiritual que possa existir, nos levará a interagir de acordo com nossa postura íntima, diferenciada e marcada por nossas experiências em vidas passadas, de acordo com nossas escolhas, nossos ideais, sentimentos que traçam naturalmente uma linha divisória real entre os componentes da mesma família, o que fará com que cada um siga seu caminho independente dos demais, o que não significa, necessariamente, que não se poderá manter a união, já que é exatamente no respeito as diferenças que se formam os mais firmes laços afetivos.



Diferenças de gostos, de ideologia política, religiosa, de personalidade, na forma de encarar os problemas, na manifestação dos sentimentos, inúmeras características pessoais que diferenciam entre si membros de um mesmo grupo, de qualquer grupo, e, principalmente, o familiar.



O mais importante, independente da forma com que cada um escolhe viver, é o respeito, a amizade, a fraternidade, o carinho, o desejo de ajudar, o amor, a sincera admiração que deve um sentir pelo outro, porque com estes sentimentos vivenciados e valorizados, todas as diferenças serão aceitas, mesmo que venham a ser contra os princípios de um dos demais componentes do grupo, quando todos aprendem a agir sempre em prol da harmonia em comum, formando um todo coeso, onde todos se apoiem, se valorizem, se protejam, sem desejar impor fórmulas de felicidade, formas absolutas de se viver, ainda mais se estas estiverem presas a dogmas e tradições familiares, quando passa a se pensar mais na aparências, nos costumes até então vividos, do que no real aproveitamento da potencialidade que cada um trás dentro de si, e que naturalmente difere, de alguma forma, do todo familiar.



De todas as diferenças, uma das mais difíceis de administrar e respeitar dentro de um círculo familiar se refere as diferenças de caráter religioso, sendo uma das que exige uma dose maior de respeito e de amor, onde muitos se deixam prender pelo radicalismo de ideias, desprezando aqueles que não pensam como eles, tentando impor-lhes sua forma de pensar a título de os “salvar” do mal, de sofrimentos maiores, de um futuro sombrio.
Infelizmente, ainda existem lares onde difícil se torna a aceitação por parte de seus membros, das escolhas que diferem daquelas que, o senso comum, resolveu determinar como sendo as “normais”, as “tradicionais”.



Difícil, ainda hoje em dia, que pais evangélicos venham a aceitar filhos que queiram se tornar espíritas, umbandistas, da mesma forma que pais espíritas venham a aceitar naturalmente que seus filhos venham a querer se tornar evangélicos, ou judeus, ou ateus e materialistas. Difícil até mesmo entre casais, como quando um dos membros, o marido ou a mulher, por circunstâncias inúmeras, venha a se interessar por uma corrente religiosa diferente da do outro, querendo que este também venha a mudar ou que aceite sua mudança sem objeções, ainda mais quando da aceitação desta religião, se faça necessária a mudança de hábitos, de costumes, como no exemplo de não mais querer frequentar festas, bailes, ou mudar a alimentação, e com isso, consequentemente, queira se esperar uma transformação radical na postura e na forma de viver, até então considerada normal pelo casal.



Natural, que aquilo que em nossa visão achamos ser o correto, também o desejemos para os nossos entes queridos, o que faz com que venhamos a pressionar para que eles também mudem, ou pelo menos nos deem ouvidos, ouçam o que temos a dizer, o que temos a propor, atitude que no fundo é válida, se realmente é nosso desejo sincero que venham a desfrutar a alegria e o equilíbrio que julgamos ter encontrado em nossa escolha.



O que precisamos entender é que não temos o direito de impor nossa opinião, nossa forma de pensar, porque ninguém é detentor da verdade, porque nem sempre o remédio que curou a nossa doença será aquele que irá curar a do nosso irmão do caminho, mesmo que a enfermidade seja a mesma, porque existem inúmeras particularidades que fazem com que uma pessoa reaja a determinado tratamento de forma diversa que a outra, isso se tratando de doenças do corpo, o que se dirá então de dificuldades íntimas da alma.



Temos o dever de buscar sempre o melhor para nós e para nossa família no que se refere ao nosso lar, e esse melhor deve estar condicionado ao que cada um aspira e sonha para a sua própria existência.



Ideias e sentimentos não se impõem, são frutos íntimos e decorrentes da experiência de vida, do que cada um trás dentro de si, de suas necessidades, de suas prioridades, dos sues desejos e sonhos.



Quando nossos filhos são pequenos, ainda não têm a capacidade e o discernimento de decidir e escolher por si mesmos seus destinos, temos a obrigação natural de orienta-los e educa-los, porém, quando eles crescerem, mesmo que tenhamos nossos sonhos íntimos sobre  o que consideramos ser o “melhor” para eles, em relação a relacionamentos, a profissão, a religião, a postura, serão unicamente eles mesmos que irão decidir e escolher, de acordo com suas tendências, suas intenções, seus desejos, aquilo que consideram ser o melhor, cabendo-nos sim, orienta-los e aconselha-los, mas acima de tudo, respeita-los a aceita-los, independente do que decidirem para suas vidas, assim como nós mesmos desejamos constantemente que os outros nos respeitem quanto as nossas escolhas e decisões.



O importante dentro de um lar, de uma família, sejam seus membros de uma mesma frente religiosa ou não, sejam eles espíritas, católicos, judeus, budistas, materialistas, é que, na essência, todos vivam de acordo com o sentimento cristão. Que todos alimentem o respeito, a caridade, a sinceridade, a amizade, que todos vivam, em suas diferentes escolhas e opções, no caminho do bem, da fraternidade, da igualdade de direitos e deveres, que todos busquem o entendimento, a paz, e que se unam nos mais fortes laços do Amor.



Quando uma família é forte e unida, independente de qualquer tipo de diferença, seus membros também estarão fortalecidos para encarar de frente o mundo e suas dificuldades, seus desafios, porque aqueles que vivem em um lar onde impere a humildade e o amor, tratarão a todos, seja em seu trabalho, no seu círculo de amizades, no lazer, com os mesmos nobres sentimentos que formam seu caráter, levando por onde passar, nos seus exemplos, nos seus atos, toda positividade que adquiriu na convivência pacífica e amorosa junto aos seus, sendo-lhe natural respeitar e aceitar cada um que vier a conhecer e conviver da forma que é, sem julga-lo, sem rotula-lo, sem tentar impor suas ideias, sem excluí-lo de seu convívio apenas porque não pensa e não vive de acordo com seus padrões ou seus costumes.



Nossa jornada é longa, ao olhar para trás vemos aqueles  que ainda cometem hoje os mesmos erros que cometíamos há tempos já vencidos e olhando para a frente, vemos irmãos que já conquistaram aquilo que ainda duvidamos que um dia iremos conseguir conquistar, mas com certeza, sem fórmulas e sem métodos infalíveis, o que podemos afirmar é que, se olharmos a ambos com amor, mais fácil e gratificante se fará o caminho que nos falta a percorrer, no bem, sempre no bem.    



sexta-feira, 6 de março de 2015

De vez em quando elas voltam para matar a saudade...




“Duas mulheres...como se não bastasse uma!”
 Ano 2004


Cena 01
   


A
cendem-se as luzes, no palco uma mesa com uma garrafa térmica, jarra com suco e biscoitos. Evelyn sentada lê um livro, demonstra ansiedade. Entra em cena, cautelosa e sondando o ambiente, Evelise, as duas se olham rapidamente e desviam o olhar, Evelise olha à sua volta, indecisa.

Evelise: Bom dia!
Evelyn: Bom dia...
Evelise: Você também veio para a entrevista?

Evelyn fecha o livro demonstrando o desagrado por estar sendo incomodada.
                                                                
Evelyn: Que entrevista?
Evelise: Para o cargo de gerente...
Evelyn: Ah...sim...fui selecionada...
Evelise: Eu também...
Evelyn: Você também? Tem certeza? (irônica, olhando-a de cima a baixo)
Evelise: Fiquei tão nervosa, marcaram para as nove horas, moro longe, quase cheguei atrasada, que estresse...
Evelyn: Moro bem pertinho daqui, não terão nem a despesa com transporte...
Evelise: Para ter uma boa profissional como eu, isso não seria despesa e sim investimento...

Senta-se, as duas se olham em desafio.

Evelyn: Realmente o que eles procuram é uma boa profissional, só pelas exigências já nota-se...
Evelise: O que é normal para uma multinacional norte-americana e a vaga de gerente sendo exclusiva para mulheres, já demonstra como é moderna, o que encaixa perfeitamente em meu perfil...
Evelyn: Encaixamos, “meu bem”, por isso também fui selecionada...

Evelyn olha uma mesinha que está próxima a elas.

Evelyn: Acho que vou tomar um café, estes biscoitos devem estar deliciosos...
Evelise: Eu prefiro esperar, até me oferecerem...
Evelyn: Iniciativa, uma das fundamentais qualidades de um gerente...
Evelise: Saber esperar o momento certo de agir também é qualidade de um gerente...(pega o livro que Evelyn deixara sobre a mesa)...o que você está lendo? ”Como entrevistar um candidato”, isso é truque sujo, você vai manipular as respostas...
Evelyn: “Ohhh, que horror!” Quer dizer que não vou mais para o céu, mas, vou para a gerência, e seu currículo? Só diz a verdade?
Evelise: Claro que sim!
Evelyn: Bem, como é uma das exigências você fala espanhol e inglês fluentemente...
Evelise: Fluentemente...
Evelyn: “O sol está lindo, só que mais tarde pode chover”...
Evelise: Não entendi...
Evelyn: Como se fala essa frase em espanhol e em inglês?
Evelise: Bem, eu sei o básico...
Evelyn: E desde quando “fluente” é sinônimo de “básico”?
Evelise: Em compensação a poliglota deve ser uma “perfeita” usuária na informática, não é mesmo?
Evelyn: Eu? É cla..claro...
Evelise: Então você sabe usar o Word, o Excell, ou quem sabe no máximo tem facebook e twitter....
Evelyn: Estes biscoitos estão uma delicia...
Evelise: “Coitada”, não tomou nem café em casa? Acha que vão ficar com pena da sua pobreza?
Evelyn: E como você acha que eles vão saber que fui eu que acabei com os biscoitos? Somos duas aqui dentro...(abre a bolsa e começa a colocar os biscoitos dentro)...pelo  menos eu não saio de casa com esse negócio “esverdeado” que você tem ai no nariz...
Evelise: Verde?..(pega um espelho na bolsa)...ai meu Deus, por que você não disse antes?

Evelyn continua colocando biscoitos em sua bolsa, põe um inteiro na boca, Evelise sem saber o que fazer enfia o dedo no nariz, olha para os lados procurando um lugar para limpar o dedo, quando ouvem a voz, com sotaque americano, do Entrevistador.

Entrevistador: Bom dia, senhoritas...

Elas se assustam e olham em volta procurando descobrir de onde veio a voz; paralisadas na mesma postura.

Entrevistador: Vocês foram selecionadas para preencher a vaga que temos disponível em nossa gerência, somos uma empresa norte-americana que está iniciando suas atividades no Brasil e, seguindo nosso sistema inovador de avaliação, vamos a segunda fase de nosso processo de entrevista...
Evelyn: Segunda fase? Qual foi a primeira?
Entrevistador: Bem, para conhecermos vocês em um momento de descontração, estão sendo filmadas e analisadas desde o momento que chegaram...

As duas entram em pânico, Evelise, com o dedo sujo, olha desesperada em volta, como não encontra nada, passa as mãos pelos cabelos como se os tivesse ajeitando, enquanto Evelyn, coloca rápido os biscoitos de volta na bandeja, deixando cair alguns no chão, que ela chuta para longe, disfarçando.

Entrevistador: Agora gostaríamos que cada uma falasse um pouco de si, primeiramente Evelise...
Evelyn: Desculpe, é Evelyn e não Evelise...
Evelise: Como Evelyn? É Evelise mesmo...
Evelyn: Era só o que faltava, você quer saber melhor que eu? É Evelyn...
Entrevistador: Senhoritas, por favor, primeiro a senhorita Evelise, depois será a vez da senhorita Evelyn...

Uma olha para a outra, exclamam juntas.

Evelyn/Evelise: Ahhh...
Evelise: Bem, meu nome é E v e l i s e, gostaria de dizer que achei superinteressante esse processo seletivo, gosto sempre de iniciativas novas, combina muito comigo, tenho vinte e nove anos, sou solteira, moro sozinha e minhas experiências profissionais descritas no meu currículo podem ser facilmente comprovadas, tenho o que chamam de “liderança natural”, sou bastante equilibrada em minhas decisões e sempre fui elogiada por todas as equipes de trabalho que comandei...
Entrevistador: Fale-nos um pouco de sua vida pessoal, o que gosta de fazer...
Evelise: Eu adoro ouvir boa música, clássica de preferência...
Evelyn: Então você deve adorar “As Quatro Estações” de Bethoven?

Evelise fica indecisa.

Evelise: É claro, adoro Bethoven...
Evelyn: Só que “As Quatro Estações” são de Vivaldi...
Evelise: Foi o que eu disse, Rinaldi...
Evelyn: Vi...V i v a l d i !
Evelise: Intrometida...
Entrevistador: Por favor, Senhorita Evelyn, pode deixar que conduziremos a entrevista, prossiga senhorita Evelise...
Evelise: Adoro ver um bom filme e não gosto de “baladas” noturnas, sou bem “caseira”...ah...e não dispenso minha academia de jeito nenhum, faço religiosamente todas as noites, temos que manter a boa forma, não é mesmo? Corpo saudável, mente sã!
Entrevistador: Muito bem, senhorita Evelyn é a sua vez...
Evelyn: Meu nome é Evelyn, sou solteira, moro com meus pais, para mim família é fundamental, também tenho vinte e nove anos, também gosto de inovações, mas entendo que devem ser implantadas com muita responsabilidade, para não descaracterizar a imagem da empresa ou o equilíbrio do quadro funcional, estou acostumada a comandar e a gerenciar como devem ter notado em meu extenso currículo, sou uma pessoa que leva uma vida saudável, me alimento com moderação, o que tira a necessidade de ficar “malhando” horas em uma academia...
Evelise: No seu caso teriam que ser anos e mesmo assim...
Evelyn: Tenho total disponibilidade de horário e não ficaria na empresa, olhando toda hora para o relógio contando os minutos para ir “malhar”...
Evelise: Eu não disse isso, eu também tenho disponibilidade de horário...
Evelyn: Desculpe, “querida”, só que escutamos muito bem, ”não dispenso minha academia de jeito nenhum”, e prosseguindo meu relato, gosto de sair, conhecer gente nova, acho que só assim mantemos a mente aberta e não trancada dentro de casa...
Evelise: Chegando altas horas em casa, tendo que acordar cedo para trabalhar, desgastada, mal-humorada, prejudicando o bom andamento do trabalho...
Evelyn: Se me deixarem terminar, adoro ler, nada como um bom livro para relaxarmos e mantermos a mente sadia...
Evelise: É mesmo, ela trouxe um livro para ler aqui...

Pega o livro, se levanta e mostra a capa para todos os lados do palco, Evelyn se levanta e tenta tirá-lo de sua mão.

Evelyn: Devolva agora mesmo esse livro...

Consegue recuperar o livro e senta-se em cima dele, as duas ajeitam os cabelos e as roupas, olham-se com raiva.

Entrevistador: Já terminou senhorita Evelyn?
Evelyn: Ah...sim..sim...
Entrevistador: Daremos uma pequena pausa antes de prosseguirmos, vocês podem ficar à vontade, ao lado encontrarão café e biscoitos, até já...
Evelise: Já foram encontrados e “devorados” há muito tempo...
Evelyn: Como alguém pode ficar à vontade sendo filmado o tempo todo?
Evelise: Quem não deve não teme...

Servem-se de café, as duas ficam em silêncio se estudando.

Evelyn: Acho que estou indo muito bem, os americanos gostam de profissionais como eu, que sabem o que querem...
Evelise: Eles têm uma visão muito superior a nossa, sabem descobrir um talento como ninguém, vamos nos dar muito bem...
Evelyn: Nós?
Evelise: Eu e eles, é claro...
Evelyn: Evelise se eu fosse você, sinceramente, desistiria...
Evelise: Ótimo, exatamente o que eu esperava de você, é o que mais admiro em uma pessoa, reconhecer quando perdeu, mas, não desanime, eu mesmo usarei de minha influência como gerente para encaixá-la em outra vaga, de secretária ou telefonista, mais de acordo com seu nível, deixe seu currículo comigo...
Evelyn: Você só pode...
Entrevistador: Senhoritas, vamos dar prosseguimento com alguns testes, peguem as pastas que estão embaixo de suas cadeiras, retirem a primeira folha e recoloquem a pasta no mesmo lugar, agora resolvam o teste, boa sorte...

As duas começam a ler, Evelyse lê em tom baixo, Evelyn em silêncio.

Evelise: “Leia atentamente todo o texto e depois responda o mais rápido possível”...”Levante-se e de três voltas na cadeira...”(ela faz rapidamente e olha para Evelyn que continua lendo)...”dê três pulos e grite o mais alto possível EUREKA”...(Ela cumpre a tarefa e sorri triunfante, Evelyn continua lendo)...”vá até a frente pulando em um pé só e retorne correndo balançando os braços como asas”...(ela faz enquanto Evelyn escreve algo no papel, retira da bolsa uma lixa, cruza as pernas e displicente começa a lixar as unhas, Evelise olha para ela sem entender, dá de ombros e continua)...”grite três vezes: O que estou fazendo aqui?”...O QUE ESTOU FAZENDO AQUI? O QUE ESTOU FAZENDO AQUI? O QUE ESTOU FAZENDO AQUI?...(suspira cansada e lê a última questão)...”se você já leu atentamente todo o texto, desconsidere as quatro questões anteriores e escreva seu nome na parte superior desta folha”...

Enquanto vai lendo, senta-se discretamente.

Entrevistador: Terminaram?
Evelyn: Isso sim é um teste, diferente de algumas empresas que fazem aquele teste ridículo de desenhar árvores ou de um ponto fazer um desenho, dando um nome, essas coisas obsoletas, que só empresas antiquadas aqui do Brasil ainda usam...
Entrevistador: Agora, senhoritas, abram a pasta e retirem as três páginas restantes...

Evelise ao ler, levanta-se e vai até atrás da cadeira de Evelyn, que se encolhe.

Evelise: “Desenhe uma árvore”, ”agora desenhe outra árvore diferente da primeira”, ”forme um desenho dos pontos iniciais e nomei-os”, que interessante e ao mesmo tempo deprimente, achar uma multinacional americana “obsoleta” e “antiquada”, isso é que é ser “estabanada”...
Entrevistador: Senhoritas, vocês tem quinze minutos...

Evelise volta para sua cadeira tranquilamente, Evelyn, bufa e começa a desenhar, apagam-se as luzes.

Cena 02

A
cendem-se as luzes, as duas sentadas, Evelyn batendo o pé impaciente, Evelise, procurando conter o riso.

Evelyn: Eu não sei o que você achou de tão engraçado...
Evelise: Ah, faça-me o favor, você “tentar” desenhar um anjo, vá lá, mais o nome...”Como se fosse eu”...fala sério!
Evelyn: Outro dia vi em um carro um colante que tem tudo a ver com você, é a sua cara...
Evelise: A minha cara?
Evelyn: Estava lá, em letras garrafais, ”A inveja é uma merda!”

Levanta-se e caminha até a frente do palco, até o “espelho”, começa a arrumar o cabelo, abre a boca e tenta limpar os dentes com o dedo.

Evelyn: Esses biscoitos são uma delicia, mas, grudam nos dentes...
Evelise: Eu gosto muito de ver filmes policiais “americanos”, principalmente quando ficam vendo os bandidos por trás do espelho...

Evelyn fica de boca aberta, assustada, tira o dedo e estica mais a cabeça para frente como se quisesse ver através do “espelho”, dá um sorriso forçado, mostrando bem os dentes e vai caminhando de costas, sempre sorrindo, até chegar à cadeira e conseguir sentar, fala entre os dentes.

Evelyn: Você podia ter me avisado antes...
Evelise: Não perderia esse “mico” por nada no mundo...
Evelyn: Sabe, Evelise, acho que deveríamos dar uma trégua, afinal temos um objetivo em comum e apesar de estarmos competindo pela mesma vaga, poderíamos agir de forma amigável, deixando que eles escolham qual de nós é a melhor, de forma honesta, sem “puxarmos o tapete” uma da outra...
Evelise: É claro, Evelyn, uma competição saudável, sem brigar, quando sairmos daqui hoje, independente de quem for a escolhida, poderemos até nos tornar grandes amigas...
Evelyn: Concordo plenamente, “amiga”! Afinal é “só” uma vaga de gerente de uma multinacional americana...
Evelise: Isso...
Evelyn: Provavelmente com um excelente salário...
Evelise: Isso...
Evelyn: Com plano de saúde...
Evelise: Isso...
Evelyn: Cursos de aperfeiçoamento, provavelmente no exterior!
Evelise: Isso...
Evelyn: Ticket-refeição, plano de carreira...
Evelise: Isso...
Evelyn: Carro da empresa...
Evelise: É, talvez...
Evelyn: Para que brigar por isso, o importante não é ganhar, é competir...
Evelise: Por que você não desiste logo e vai embora, sua “mocréia”?
Evelyn: Vá você embora, sua bruxa “mal-acabada”...
Entrevistador: Senhoritas...                                             

As duas respondem em tom agressivo.

Evelyn/Evelise: O que foi?

Rapidamente mudam de atitude e sorriem.

Evelyn: Pois não...
Evelise: Sim?
Entrevistador: Após este intervalo iremos iniciar a última fase de nosso processo seletivo...
Evelyn: A última? Oh, que pena, está tão interessante...

Evelise fala baixo e rápido.

Evelise: “Puxa-saco”...
Entrevistador: Sim, a última e decisiva fase, senhoritas, nós iremos citar alguns temas polêmicos e gostaríamos que expressassem vossas opiniões e os debatessem, o primeiro tema para vocês analisarem é o aborto, por favor, fiquem a vontade...

As duas ficam em silêncio, uma olha para a outra, indecisas, falam ao mesmo tempo.

Evelise: Em minha opinião...
Evelyn: Eu considero esse assunto...
Evelyn: O aborto...
Evelise: Esse tema é...
Evelise: Por favor, “amiga”, você primeiro...
Evelyn: Não, faço questão, pode falar “querida”...
Evelise: Primeiro as mais velhas...
Evelyn: Nós temos a mesma idade...
Evelise: Só que faço aniversário em dezembro, logo, você é a mais velha...
Evelyn: Que dia?
Evelise: Dia vinte e nove...
Evelyn: Eu também faço aniversario dia vinte e nove de dezembro! Que horas você nasceu?
Evelise: Vinte e duas e quarenta e você?
Evelyn: É incrível, eu também!
Evelise: Jura? Isso é demais!
Entrevistador: Já que as duas nasceram, no mesmo dia isso quer dizer que não foram abortadas, isso não as faz lembrar de algo?
Evelise: Que somos “almas gêmeas”?
Evelyn: Que temos o mesmo destino?
Entrevistador: Não, que estamos aqui com a tarefa de escolher uma de vocês duas para ser a nossa gerente, então se Evelyn não se incomodar, gostaria que Evelise iniciasse dando sua opinião...
Evelise/Evelyn: Ahhhh.....
Evelise: Bem, minha opinião é, bem, acho que, isto é, eu...
Evelyn: Se conseguir sair alguma coisa daí, já poderemos considerar um verdadeiro aborto!
Evelise: Em minha opinião, para ser sincera...
Evelyn: Xiii...mentirosa...
Evelise: Como mentirosa? Eu ainda nem comecei a falar...
Evelyn: Todo mundo que diz, ”para ser sincera” antes de uma frase, matematicamente quando não fala, quer dizer que está mentindo.
Evelise: Isso é só modo de falar...
Evelyn: Modo errado, o subconsciente automaticamente forma a frase, de acordo com sua personalidade...
Evelise: Então “matematicamente” meu subconsciente ativou o meu sistema de defesa e mandou-me dizer, ”vá para a puta que a pariu”...
Evelyn: Que é isso? Você não está na periferia...
Evelise: E o que tem a periferia? Você é dessas “racistas” sociais que acha que no subúrbio só tem pobre e ladrão?
Evelyn: Eu não disse isso! Os ladrões já não moram na periferia há muito tempo, nem eles aguentaram tanta “baixaria”...
Evelise: Ah é, sua “perua”, você vai ver o que é “baixaria”...

Vai para cima dela e começa a puxar seus cabelos, Evelyn se levanta e começa a bater com a bolsa em Evelise, cai algo de dentro da bolsa, as duas se afastam, Evelyn tenta pegar, Evelise pega e se afasta até a frente do palco.
                                     
Evelise: O que é isso?...(quando começa a manusear vê que é pênis um de borracha)...ai meu Deus!...(joga-o para longe, Evelyn pega e põe na bolsa)...”caramba”, tamanho GG!
Evelyn: Cale a boca!
Evelise: Está na “seca”, ”coitadinha”...
Evelyn: Isso não é meu é da minha sobrinha...
Evelise: Sua sobrinha? É presente do dia das crianças?
Evelyn: Não, ela vai ter aula de anatomia, cada aluna vai levar uma parte do corpo humano...
Evelise: “Poxa”, pelo tamanho o “boneco” vai ter uns cinco metros de altura...
Evelyn: E o que você tem com isso?
Evelise: Nada, é que fiquei preocupada...
Evelyn: Preocupada com que?
Evelise: Se fosse para seu uso pessoal você poderia ser presa por auto estupro, é crime hediondo...
Entrevistador: “Oh, My God! Vocês duas são fantásticas!
Evelyn: So...so...somos?
Entrevistador: Sim, encaixam-se perfeitamente em nosso perfil, está cada vez mais difícil escolher uma das duas, vamos continuar, por favor, senhorita Evelise, o aborto...
Evelise: Ah sim, em minha opinião o aborto deveria ser proibido, afinal é uma vida e ninguém tem o direito de tirá-la...
Evelyn: Que absurdo, que pensamento mais retrógrado...
Evelise: Retrógrado por quê? É um assassinato...
Evelyn: É só um feto, ainda não tem vida...
Evelise: Já sei por que você é a favor do aborto...
Evelyn: E por que “sabidona”?
Evelise: Porque o “namoradão” de borracha, ai na sua bolsa é totalmente estéril, você não tem a menor chance de engravidar, talvez só de entalar...
Evelyn: Eu já disse que não é meu, é da minha irmã...
Evelise: Irmã? Não era da sobrinha? Ah, deixa pra lá “amiga”...
Entrevistador: Falem agora sobre assédio sexual...
Evelise: Bem, devo iniciar porque a Evelyn não deve nem mais se lembrar...
Evelyn: Tudo bem, a galinha pode falar primeiro, sexo é com ela mesma!
Evelise: Ter uma vida sexual saudável não quer dizer que eu seja uma galinha!
Entrevistador: Senhoritas, debatam então sobre prostituição...(ouve-se sua voz abafada, em tom mais baixo)...essa vai ser ótima, agora o “bicho” vai pegar...

As duas ficam indignadas e surpresas, percebem que estão sendo manipuladas.

Evelyn: Arrumem outra palhaça para o seu circo, e quer saber, já comi biscoitos muito melhores que esses...
Evelise: Os senhores me façam um favor, rasguem o meu currículo, e a propósito, as prostitutas cumprem o seu papel na sociedade, o pior não são elas e sim seus filhos...
Entrevistador: Não entendi...
Evelise: O pior são os filhos das prostitutas!
Evelyn: O pior são os filhos da puta que pensam que por causa do dinheiro podem fazer o que bem entendem.
Evelise: Não vamos mais ficar em um aquário divertindo um bando de gringos...
Entrevistador: Desculpem senhoritas, não foi a nossa intenção, se mudarem de idéia, entrem em contato, gostamos muito de vocês...

Evelyn faz uma banana, Evelise estica o dedo do meio, saem acintosamente de cena, apagam-se as luzes.

Cena 03

A
cendem-se as luzes, Evelise entra em cena cautelosa.
                                          

Evelise: Olá, tem alguém aí? Senhor americano eu mudei de idéia, esqueça o que eu disse, quero assumir a gerência, esperei meia hora para voltar para não correr o risco de que a outra “zinha” visse, é uma revolucionária, sem profissionalismo, e então quando posso começar?

Ouve-se a voz de Evelyn no lugar do entrevistador.

Evelyn(off): Desculpe senhorita a vaga já foi preenchida...
Evelise: Eu conheço essa voz de “taquara rachada”...
Evelyn(off): Aqui quem fala é Evelyn Cardoso, a nova gerente da Manhatan House Massagens Executivas.
Evelise: Sua traidora, sem caráter, como pôde ser tão falsa?
Evelyn(off): Minha falsidade só é diferente da sua por questão de quinze minutos, praticamente um empate técnico, sou ansiosa, não conseguiria esperar meia hora.
Evelise: Que humilhação! Fique com sua gerência, com seu plano de saúde, com seu carro, fique com tudo! Vou sair daqui de cabeça erguida, não preciso de você deste emprego, que porcaria, gerente de uma casa de massagens...
Evelyn(off): “Manhatan House Massagens Executivas” com filiais no mundo inteiro...

Evelise respira fundo, ajeita a roupa e o cabelo, fala mansa e sensual.

Evelise: É, sabe Dona Evelyn eu deixei de colocar no meu currículo que fiz um curso de massagem na Tailândia, por correspondência é claro...
Evelyn(off): Oh, que ótimo, me fale um pouco mais de você...
Evelise: Meu nome é Evelise, tenho 29 anos, moro sozinha...

Apagam-se as luzes

Cai a cortina.





terça-feira, 3 de março de 2015

"Renovação"











Mesmo não sendo o período de tempo de sofrimento e resgate idêntico ao que levianamente desperdiçamos nos chafurdando nos erros e gerando nossos débitos, ao tempo que levamos entregues aos vícios, as paixões degradantes, pois a força regenerativa do bem é sempre mais incisiva e atuante quando dela nos permitimos utilizar em nossa renovação e transformação, quanto mais nos entregarmos ao mal, ao erro, quanto mais afundarmos, mais difícil se tornará a caminhada rumo ao reequilíbrio, e ao total domínio sobre nossa individualidade, nosso poder de discernimento, nosso uso do livre-arbítrio.


Temos sempre a liberdade de tomar nossas decisões e escolhas, entretanto, quando mal utilizada, leva-nos, consequentemente, à ficar prisioneiros de nossas paixões, dos cúmplices que conquistamos para nós, dos adversários que geramos pelo mal que espalhamos a nossa volta, e como, no plano físico, o mal uso de nossa liberdade, pode gerar sua própria privação temporária, quando nos vemos segregados nos direitos e aprisionados aos deveres de ressarcimento, de acordo com as leis humanas, e do lado espiritual, advindo de inimigos ou da nossa própria consciência, quando o desequilíbrio e a loucura nos impedem de assimilar a realidade a nossa volta.


Deus dá sempre a oportunidade de recomeçar, de renovar, de transformar, mas suas leis são imutáveis e imputáveis para todos, sem exceções, sem privilégios, exigindo, quando se fazem necessários para a real reabilitação, a sinceridade nas intenções, a coragem, o estudo, o trabalho, o sacrifício, a luta incessante, o comprometimento e a disciplina.


Admitir o erro, ainda mais quando nos encontramos em situações adversas, em situações dolorosas em relação as consequências do que fizemos, não é assim tão difícil, nos dando a falsa sensação, mesmo quando achamos estar agindo de forma sincera, de que queremos mudar, nos renovar, porque essa mudança, na realidade, está, em muitas circunstâncias, sendo motivada unicamente pelo desejo de parar de sofrer, de estancar a dor, de afastar aqueles que funcionam como juízes e algozes.


Nossos benfeitores maiores, os espíritos superiores que zelam por nossa jornada evolutiva ainda iniciante em relação a transformação para o bem, ao contrário de nossos amigos espirituais mais próximos, que desejam como nós, nossa melhora imediata, sabem exatamente os fatores motivacionais que alimentamos em nosso íntimo quanto a nossa renovação, sabem o quanto, de fato, já não mais somos dependentes dos vícios, das paixões, dos desregramentos, dos sentimentos negativos, do materialismo de nossas intenções, e o quanto nosso desejo de mudança se baseia na vontade real ou simplesmente para estancar o sofrimento, para nos afastar do ambiente e das companhias as quais nos vemos presos.


Nossos benfeitores possuem a visão da efetiva possibilidade de voltarmos a falir e chafurdar-nos aos mesmos erros pretéritos, logo que nos encontrarmos em situações análogas as do nosso passado culposo.


Por este motivo é que, em muitas experiências futuras, nos encontramos com inúmeras limitações físicas, orgânicas, mentais, materiais, exatamente para que não venhamos a recapitular os mesmos erros e crimes, nos restringindo temporariamente a plena liberdade, para que não tenhamos as mesmas facilidades que outrora tivemos para atuar, para o nosso próprio bem, por não estarmos ainda aptos para aproveitar positivamente a total liberdade de raciocínio e ação, ganhando assim um precioso tempo para nos reeducarmos, reavaliarmos conceitos, eliminando miasmas negativos e inferiores que ainda estão vivos em nossa personalidade, nos fortalecendo para que, em futuro próximo, estejamos plenamente livres para crescer e evoluir.


Se depende sempre de nosso esforço, de nossa vontade, de nossa dedicação a saída das zonas inferiores do pensamento, a libertação das consequências dolorosas geradas por nossos crimes, por nossos erros, que aproveitemos então a oportunidade nos concedida, através do Consolador Prometido, do Espiritismo, para nos aprofundarmos no estudo das causas, das possibilidades, do mecanismo da lei de causa e efeito, dos parâmetros necessários para o nosso fortalecimento íntimo, na aquisição e assimilação reais dos conceitos cristãos, de amor, de paz, de entendimento, de caridade, de atuação junto a sociedade, ao próximo, no sentido de melhorarmos intimamente, de crescermos de dentro para fora, de participarmos de forma efetiva ao lado dos trabalhadores da seara do Mestre, sendo mais um a valorizar o bem, a levar a caridade nos pensamentos, nas palavras, nos atos, agilizando nossa recuperação, nossa capacitação, utilizando ao máximo de nosso tempo junto aos verdadeiros valores evolutivos, os valores morais, éticos, espirituais.


A renovação é sempre possível, a transformação necessária e prioritária, a felicidade é acessível a todos, o que então mais esperar para conquista-las?



Chega de falsas, levianas e inconsequentes vitórias, foquemos no que nos elevará e manterá próximo aqueles que ao nosso lado caminham firmes e resolutos no único caminho que levará a paz, o caminho do puro amor à Deus e a humanidade terrestre.