segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Conto do mar...








Um homem simples, do interior, pouca cultura, poucas oportunidades, quase nada sabia do mundo, já que o seu se resumia ao seu pequeno pedaço de terra e sua casinha singela, rodeado pela natureza e pelos animais silvestres e domésticos. Seu contato com as pessoas limitava-se as suas idas ao vilarejo próximo, para abastecer-se do necessário, e das raras visitas dos vizinhos, que como ele, eram proprietários de pequenos sítios das redondezas.


Sempre que o nosso amigo ia a cidade, gostava de conversar com os frequentadores do empório local, e devido a sua simplicidade e sinceridade no proceder, estes gostavam muito de manter com ele longas palestras, já que estava sempre ávido para conhecer coisas novas, e sendo para ele tudo novidade, tornava-se um ouvinte atencioso e entusiasta, o que cativava e estimulava a todos os seus amigos, que se motivavam a ensina-lo um pouco mais do mundo, dos avanços e progressos da humanidade.


De todos os assuntos que abordavam normalmente, o que mais chamava sua atenção, era quando alguém, chegado de viajem, lhe falava sobre o litoral, sobre o mar, de sua beleza e magnitude, fazendo com que sua imaginação criasse as mais belas e emocionantes imagens.


No início não era assim, quando lhe falaram pela primeira vez do mar, de suas ondas a chegarem à praia, por vezes suaves como um pássaro e em outras, arredias como um potro indomável, ele não acreditou que isso pudesse existir, cético, achava que estavam apenas querendo impressiona-lo, e se o mar realmente existisse, não poderia ser assim tão imenso e tão belo como descreviam.


Mas com o passar do tempo, ao ouvir de outras pessoas relatos similares, começou no seu interior há sentir um desejo irresistível para saber cada vez mais do assunto e a partir dai, qualquer pessoa que encontrasse, ia logo abordando o assunto, perguntando se já conhecia o mar, ansioso para saber cada vez mais detalhes daquilo que já se transformara em um ideal de vida, um sonho a realizar.


Começou a notar, depois de várias conversas, que as opiniões sobre o mar eram diferentes e variadas, alguns achavam que era o que de mais belo existia no mundo, outros o odiavam, por terem tido experiências que lhes causou algum mal, gerando dramas pessoais ou com pessoas queridas; já outros lhe eram indiferentes, achando-o algo banal, e que na vida existiam coisas muito mais interessantes, ligadas diretamente aos seus próprios interesses imediatos. 

Porém, apesar das diferentes versões, o nosso amigo tinha certeza que o mar era algo muito especial, com certeza vindo de Deus, tamanha as paixões que causava nas pessoas e assim, tornou-se cada vez mais ávido em conhecê-lo pessoalmente.


Infelizmente, o tempo foi passando inapelavelmente, e ele, atribulado, com diversas dificuldades para manter o seu sustento e devido aos constantes sacrifícios para sobreviver, sem perspectivas melhores para o futuro, foi deixando aquele sonho de lado, e anos decorreram sem que nada de novo acontecesse, deixando para trás sua juventude, sua alegria, suas esperanças. 

Na verdade, já considerava impossível realizar seu antigo ideal ainda nesta Vida, mas, como tinha fé em Deus, Este quando resolvesse leva-lo para ocupar seu lugar no céu, lhe permitiria dar um pulinho até lá, até o mar, e sentir de perto aquilo com que sonhou durante toda sua vida, nem que fosse por alguns instantes, fugazes instantes.


Mas o homem nunca sabe o destino que o seu Criador lhe reserva, e certo dia, um rico fazendeiro da região, que sempre admirou sua honestidade e tenacidade no trabalho, convidou-o para acompanha-lo em uma viagem a capital da província, e como ela duraria alguns meses, deu-lhe todas as garantias que sua terra seria cuidada e que nada ficaria ao abandono e, por este motivo, não admitia recusa. E assim, desta forma, mesmo receoso, nosso amigo não teve outra opção que não fosse aceitar.

Após todos os preparativos, iniciaram a viagem de trem para a grande metrópole, e desnecessário explicar todo entusiasmo e deslumbramento que tomou conta do seu ser, extasiado com a paisagem, com as pessoas e com as cidades que conhecia a cada parada da máquina. Chegando finalmente ao destino, não cansava de admirar o progresso e a civilização que para ele era totalmente desconhecida; enormes prédios, o vai e vem das pessoas, que com pressa sequer notavam sua presença, as luzes da cidade a noite, tudo que só conhecia por relatos de amigos, os quais nunca imaginou que seriam tudo aquilo a que assistia, admirado e assustado.


Meses se passaram e um dia o seu amigo o comunicou que teria que resolver vários problemas em uma cidade próxima, e que, como era uma bonita cidade, poderiam passar bons momentos entregues a diversão e ao lazer. 

Ele foi confiante e na certeza que conheceria mais uma cidade das muitas que estava visitando, já esperando encontrar a mesma grandiosidade, a mesma movimentação a que já estava se acostumando, e por isso, no fundo, sentia-se desanimado, sem mesmo nenhuma vontade de continuar naquela excursão, e sobre isso nada falava, exatamente para não desapontar ao querido amigo que demonstrara tanto carinho e boa vontade para com ele, fingindo assim, um entusiasmo que no fundo não sentia, contrariando ao que se passava em seu interior, já que tudo aquilo começava a mexer com os seus sentimentos, fazendo nascer uma saudade profunda da simplicidade da sua casa e de seus animais queridos.


Ao chegarem à cidadezinha, o seu amigo alugou um veículo, levando-o no mesmo dia para passear, prometendo que iriam a um lugar lindo, onde a força maior, a natureza, a tudo comandava. 

Ele sorriu timidamente, pensando que o lugar lindo onde ele gostaria de estar agora era em sua terrinha, e foi apenas nisso que pensou durante todo o trajeto, encostando sua cabeça no banco e fechando os olhos, ignorando a bela paisagem que acompanhava a rodovia, preferindo relembrar de sua cidadezinha, de seus amigos, do nascer do sol, que era uma pintura, visto da janela do seu quarto, recordando o suor e a fadiga do arado e como seria bom poder retornar ao seu mundinho simples, tão diferente daquela agitação dos últimos meses, rodeado de pessoas indiferentes a tudo que ele gostava, como se não ligassem para nada e para ninguém, apenas para si mesmas, para seus problemas, ignorando totalmente ao próximo, contrariando o que havia aprendido quando criança, quando conhecera os ensinamentos de seu amado Jesus.


De repente o veículo estancou, e seu amigo, tocando-o levemente no ombro, pede que abra lentamente os olhos. Ele suspira profundamente, por ver desaparecer a bela imagem do seu sítio, abrindo os olhos e, simplesmente, não acreditando no que vê...


Meu Deus, pensou, o que poderia ser aquilo que se descortinava à sua frente? Que maravilha seria aquela que, de tão grandiosa, se perdia de vista em sua própria imensidão?


Mas claro, logo reconheceu, já ouvira falar dele tantas vezes, sonhara com ele sua vida inteira, claro só poderia ser e era: O Mar!


Estava ali bem perto, ao alcance de suas mãos, com toda sua beleza, toda sua energia, e sem que conseguisse impedir, lágrimas começaram a deslizar pelo seu rosto, exprimindo toda sua felicidade, toda emoção represada há tanto tempo em seu coração, fazendo com que saísse do carro, que chegasse mais perto, brotando em seu íntimo, de forma natural, uma oração, um louvor de agradecimento a Deus, por estar recebendo ainda em vida aquela dádiva dos céus, que em sua humildade, julgava não merecer.


Seu amigo, respeitando aquele momento mágico, sussurrou em seu ouvido que logo retornaria para busca-lo, que tinha que resolver problemas urgentes, mas que ele não se preocupasse, não se apressasse, que ali ficasse o tempo que julgasse necessário. 

Ele mal ouviu, balançando afirmativamente a cabeça, sem conseguir desviar os olhos das ondas que suavemente chegavam e se misturavam à areia da praia. Lentamente foi caminhando, estranhando a maciez do solo ao contato dos seus pés, até chegar bem próximo ao mar, sentindo, de repente, uma estranha sensação, de que já havia, em algum período da sua existência, percorrido aquele caminho, que já tinha anteriormente sentido toda aquela emoção e sem saber explicar, um sentimento de culpa e medo o invadiu, como tivesse sido ele a causa de estar a tanto tempo afastado e separado do mar, do seu amado mar.


Devido a isso, mesmo estando a apenas alguns metros de seu sonho, estancou, sem coragem de entrar, nem mesmo molhando os pés, com medo que qualquer coisa que fizesse, que qualquer outro passo que desse, o afastasse de novo daquilo que para ele era todo um ideal de beleza e de vida. Uma luta íntima começou a ser travada em seu coração, já que uma força irresistível o atraia para aquela imensidão, e ao mesmo tempo, algo o impedia e o coagia de prosseguir. 

Neste dilema, deixou transcorrer o tempo, sem noção de quanto, sem saber que atitude tomar, pela primeira vez em sua vida sentiu-se completamente só, sem ninguém para compartilhar aquele momento, recapitulou em segundos todos os amigos que até então conhecera e não conseguiu lembrar de nenhum que pudesse compreender o que sentia naquela hora, alguém que pudesse ajuda-lo a sair daquele impasse.


Quando se sentia cada vez mais solitário e deprimido, algo, como um raio, transpassou sua mente, iluminando todo o seu ser, é claro, como pode ter se esquecido, como pode ter sido tão injusto com Ele ao ponto de ter se sentido só e abandonado, como pode esquecer daquele Amigo que durante todos os anos de sua vida o ajudou e sustentou, que carinhosamente o amparou nos maiores sacrifícios que precisou enfrentar e superar, que sempre acendeu uma luz em seu coração quando este ameaçava escurecer devido ao desânimo injustificável que várias vezes o invadira em sua existência.


Então concentrou todo o seu pensamento Naquele que sempre o guiara no caminho certo, que também tivera uma vida de sacrifícios, imensuravelmente maior que a dele, e então orou, entre lágrimas, comovidamente, intensamente, agradecendo ao seu Amigo, seu eterno exemplo, seu eterno Mestre e companheiro: Jesus!


Quando terminou, estava totalmente tranquilo, em paz, todo aquele aperto no coração havia desaparecido e uma voz se fez ouvir em seu interior, como se fosse trazida pelas ondas, em resposta às suas dúvidas:


“Meu amigo não temas, lembre-se que não cai uma única folha sequer sem o conhecimento do Pai, questionas se deves ou não entregar-se ao sentimento que te atrai para o que sempre idealizastes em vida, eu só posso te dar uma resposta:

Aguarda!

Se encontrastes o que tanto procuravas e tua consciência te alerta, ouça-a, talvez, para que de fato venhas a concretizar teu sonho, algo ainda esteja faltando em teu íntimo para, quando a ele te arrojares com toda sua paixão e toda sua energia, sejas dele e ele seja teu para toda eternidade, espere, sinta, reflita e aja, vá buscar dentro de ti o que falta, não só para molhares os pés, mas para que se banhes, se entregues de corpo e alma a felicidade suprema que só a união com o teu mais caro ideal pode te proporcionar.”


O silêncio voltou a reinar, apenas quebrado pelo murmúrio das vagas, suave brisa o envolve, fazendo sentir e respirar toda a energia dispendida pelo mar, fazendo encontrar a resposta que tanto esperava, dispersando todas as dúvidas, todos os medos. Sabia agora que, se a vida o obrigasse a voltar para o seu mundinho, se algo fora do seu controle o afastasse definitivamente de seu mar, nada mais faria com que ele duvidasse de sua existência, sim, seu mar existia!


Está bem ali, diante de seus olhos, vivo em toda sua imensidão e beleza, e por mais que o arrastem para longe, ele estará gravado para sempre em seu coração, e mesmo que passem séculos até que possa reencontra-lo, sua imagem estará por toda eternidade em sua alma.


Sorriu, algo mudara para sempre em sua vida, um novo brilho se nota em seu olhar, a água do seu mar estava a centímetros dos seus pés, límpida, cristalina, pura, bastava mais um único passo, sim, ele seria seu, ele seria dele, sua escolha, sua decisão, sua vida, ele, apenas ele a decidir...

Avançou...



Fim

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