sábado, 4 de outubro de 2014

Me dá um colinho?




Outro dia, parado estava à espera que o semáforo abrisse, quando observei no ponto de ônibus próximo um casal conversando, enquanto o filho pequeno, puxando a calça do pai, tentava atrair sua atenção, erguendo o outro braço e acenando a mãozinha, deixando claro, mesmo que não pudesse ouvi-lo, o que queria, um colo. O pai, entretanto, animado na conversa com a mãe, ainda continuava a ignora-lo, mas ao abrir o sinal, de relance, ainda pude ver ele se abaixando e erguendo o gurizinho, que reconhecido, o abraçou feliz.


Na continuidade do meu trajeto, dirigindo distraído com meus pensamentos, no caos do trânsito, normal para o horário do rush, onde, apressadas, as pessoas ansiavam para logo chegar em seus lares, alforriados de mais um dia estafante de trabalho, alguns para descansar, outros para algo aproveitarem do tempo para passear, ir à academia, ou na continuidade de compromissos, estudar, indo para mais uma maratona em escolas, faculdades, cursos, ávidos sempre em aproveitar ao máximo o tempo para alcançarem aos seus objetivos, aos seus mais variados sonhos, correndo tanto que as pequenas coisas acabam por passar despercebidas, pequenas? que digo eu? grandiosas coisas, mas que por sua simplicidade, acabam ficando para trás, para segundo plano.


Coisas simples, como um simples colo, e foi pensando nele que prossegui meu trajeto, desligado do burburinho das buzinas, das freadas, das fechadas, deixando-me levar pelas recordações, pelas lembranças do tempo que a minha filha pedia um colo, e nele se aconchegava, fosse em casa, na rua, nos passeios, nas festas, quando afogueada e cansada de suas correrias, buscava uma pausa, um descanso, no colo do seu paizinho.


Não posso ignorar hoje, como não ignorava na época, que na maioria das vezes que ela me pedia colo, fosse como o garotinho que vi a poucos instantes, em um ponto de ônibus, ou na fila do supermercado, ou quando voltávamos da praia após um belo domingo de sol, e foram muitos, ou até mesmo nos passeios que fazíamos a pé até os parques, até as praças, aos shoppings, que ela o fazia alegando cansaço, ou que a perna estava doendo, ou outras justificativas e bem pouco convincentes desculpas, já que estava mesmo é tentando esconder a preguicinha, cheia de manha, usando de uma suave tirania, impondo com seu sorriso meigo ou com seu choramingar, um assumido abuso para com a boa vontade do papai.


Só que na verdade, e ainda bem, para mim e para ela, essa boa vontade nunca faltou, mesmo quando eu relutava, quando contra-argumentava, quando negava, quando entrávamos em disputa, em negociação, sobre a necessidade ou não do colinho, tanto que ela já sabia, como eu já tinha certeza, de quem sairia vencedor ao final do embate, quando ela, sorridente e satisfeita, erguia os bracinhos e em um pulo estava no meu colo, logo se ajeitando, mas preciso lhe fazer justiça, era um colo sempre acompanhado com um apertado abraço, um sorriso lindo, e um estalado beijo.


E assim foram vários anos, com incontáveis colos, com inúmeros abraços e beijos estalados.


E tanto foram eles, que até mesmo quando já contava com seus oito ou nove anos, em situações especiais, de manhas especiais, lá estava ela, com os braços estendidos:

- Pai, me dá um colinho?

E durante todo esse tempo, a principal razão, o principal motivo, para que eu, apesar da simulada relutância, da fajutada argumentação que eu tentava impor, sempre dissesse "sim" e nunca disse "não", foi por ter plena consciência de que um dia, mais cedo ou mais tarde, isso não mais iria acontecer, ela não mais iria querer ou precisar do meu colo, não mais estaria ali, embaixo, olhando para cima, de bracinhos estendidos, pedindo manhosamente um colinho, que chegaria o dia que ela já me olharia de frente, sorridente e manhosa como sempre é claro, mas já não mais precisando que eu a tomasse nos braços e a carregasse por aí, contando e recontando histórias e estórias, como sempre fizemos.


Cada vez que a pegava no colo, por mais que
 estivesse cansado, estressado, triste, nervoso, eu sabia que tinha que aproveitar ao máximo, por que um dia, breve, isso não mais iria ocorrer, como é hoje em dia, e ainda bem que assim pensei e agi, porque aproveitamos muito, eu e ela, a todos os colos, todos o abraços, todos os beijos estalados que tínhamos direito, o que com certeza muito contribuiu para que fossemos, como o somos até hoje, muito mais que pai e filha, mas sim, e principalmente, grandes amigos.


Muitos pais negam aos seus filhos, em diversas ocasiões, o colo, e são várias as razões, vários os motivos, mas um dos que mais ouço, é que fazem isso, para não deixar seus filhos mal acostumados, para que eles não fiquem "mimados".


Façamos, então, devido a nossa ignorância linguística, uma pequena pausa, para investigar no nosso amigo dicionário, o que vem a ser afinal este "mimado", e porque é assim tão temível, ao ponto de servir de justificativa para uma avalanche de "nãos", que as crianças recebem quando pedem para si um simples e despretensioso colinho.      




MIMADO:

Adjetivo.

1. tratado com mimo, acarinhado;

2. pejorativo: que tem mimo em excesso;




Acarinhado, que recebe carinho!



Mimo, um gesto ou expressão carinhosa, tratar alguém com delicadeza, dar um afago, fazer uma carícia!



Se é isso que significa ser mimado, então por Deus, vamos mimar as nossas crianças, vamos mimar não só os nossos filhos, mas todas as crianças, porque o que falta para elas hoje em dia é exatamente isso, MIMO, amor, carinho, dedicação, ATENÇÃO.


Quem sabe se TODAS as crianças fosse mimadas não precisaríamos hoje estar discutindo sobre a diminuição da maioridade penal, porque é fácil tratar do efeito, como é fácil levar nosso filho ao dentista quando ele está com dor de dente, em vez de ter tido um pouco mais de ATENÇÃO, para saber se ele estava escovando seus dentes devidamente.


Precisamos são combater as causas, precisamos prevenir, precisamos MIMAR nossas crianças, porque me recuso a acreditar que um menor que hoje é infrator, seja de qual classe social ele pertença, já que em todas eles estão presentes, pobres ou ricos,  se tivesse tido a devida atenção, se tivesse sido tratado com respeito, com amor, com carinho, se tivesse recebido em sua educação os valores e os EXEMPLOS éticos de seus pais ou dos que são responsáveis por sua criação, ele teria se desviado para um caminho de crimes, de drogas, de desregramentos.


Não posso acreditar, claro que posso estar errado, se os pais conversassem mais com seus filhos, se não o escutasse apenas, fazendo hum...hum...e falando depois a gente vê isso, mas os ouvissem de fato, prestando atenção em sua dúvidas, explicando com calma o que são as coisas que despertam sua atenção, mesmo que ele perguntasse dez vezes a mesma coisa, se as crianças se tornariam menores infratores.


Não posso acreditar que se em vez de simplesmente falar um não para uma criança, sem ao menos prestar muita atenção no que ela está dizendo, nos preocupássemos em explicar o porque do não, o porque do sim, se realmente o nosso não se baseia em um motivo justo, ou só porque estamos cansados, ou distraídos com outra coisa, ou porque o que estamos fazendo seja mais importante, as nossas crianças se tornariam menores infratores.


Antes que venhamos a falar de falta de tempo, se você faz academia, se você sai para ir a restaurantes e pizzarias, se você vai a festas, se você assiste sua novela ou seu jogo de futebol, se você lê livros, revistas, navega na internet, se sai com os amigos ou amigas, se passeia no shopping, não venha me dizer que não tem tempo para conversar com seu filho, para passear com ele, para jogar seu joguinho, para prestar atenção em suas dúvidas e necessidades, se não tempo para pega-lo no colo, porque o seu problema não é falta de tempo, mas sim, o de definir as suas prioridades.


Existem várias crianças que hoje, estão nos orfanatos, na ruas, em lares desajustados, que precisam exatamente disso, de um colo, de serem MIMADAS, e como me disse recentemente uma pessoa que admiro muito, que considero minha amiga, a responsabilidade não é só do governo, mas de todos nós, a sociedade é que tem que se organizar para mima-las, para pega-las no colo, e não simplesmente se unir para colher assinaturas para que elas no futuro venham a ser punidas ou presas com menos idade do que são hoje.   


Quanto a segunda definição da palavra MIMADO, não vou nem comentar, porque mimo não pode ser tratado de forma pejorativa, não há excessos onde há educação, se os pais são educados, eles saberão educar seus filhos, sem excessos de mimos e sem excessos de disciplina, se os pais forem os exemplos do que falam, do que permitem, do que negam, seus filhos, mesmo os que tenham o espírito mais rebelde, irão aos poucos se moldar, se um pai ensina o filho a burlar a lei, a furar a fila, a ser mais "esperto" que o outro, não queira esperar que a criança vá seguir um caminho diferente, alguns até vão, porque apesar dos exemplos, possuem um espírito forte o suficiente para resistir, mas são exceções e não regras.


E para encerrar meu devaneio, já que cheguei ao meu destino, em uma coisa me enganei, as crianças crescem sim, mas a necessidade do colo não acaba nunca, qual de nós que mesmo hoje, não precisa as vezes de um colo, de um carinho, de uma atenção, de um mimo, qual de nós que pode se considerar tão forte que não passe por momentos de dúvida, de medo, de tristeza, que não precise de um afeto, de um ombro amigo, de uma palavra de incentivo, vamos falar a verdade, de um colo!


E cá entre nós, até mesmo as vezes com um pouco de manha, exagerando um pouco, só para ganhar aquele carinho, aquele colo, afinal, um pouco de mimo nunca é demais...inté... 


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