Hoje daremos a palavra ao Codificador da Doutrina Espírita, Allan Kardec, reproduzindo um texto inserido no Livro "Obras Póstumas", uma coletânea de publicações, na maioria delas inéditas, encontradas entre o vasto material de estudo que ele deixou.
Lembremos que este texto foi escrito por volta de 1860, onde Kardec analisa os três princípios básicos da Revolução Francesa, sua terra natal, e que na época abalou todo o mundo, pela queda da monarquia absolutista pelo poder do povo, da república.
É um texto algo longo para o imediatismo moderno, ainda mais inserido, agora como apresentamos, nas redes sociais, onde o tempo parece escorrer ainda mais rápido, mas, para quem tiver o interesse de algo acrescentar a sua forma de pensar, ao seu conhecimento, poderá, com discernimento, captar a amplitude dos conceitos apresentados por Kardec para o quadro político social de sua época, e o quanto ele parece atual, em relação a atualidade que vive nossa sociedade moderna.
Bem, vamos a ele:
Liberdade, Igualdade, Fraternidade!
Liberdade, igualdade, fraternidade, estas três palavras são,
por si sós, o programa de toda uma ordem social, que
realizaria o progresso mais absoluto da Humanidade, se os
princípios que representam pudessem receber sua inteira
aplicação.
Vejamos os obstáculos que, no estado atual da
sociedade, podem a isso se opor e, ao lado do mal,
procuremos o remédio.
A fraternidade, na rigorosa acepção da palavra, resume todos
os deveres dos homens relativamente uns aos outros; ela
significa: devotamento, abnegação, tolerância, benevolência,
indulgência; é a caridade evangélica por excelência e a
aplicação da máxima: "Agir para com os outros como
gostaríamos que os outros agissem conosco."
A contrapartida é o Egoísmo. A fraternidade diz: "Cada um por todos e todos
por um." O egoísmo diz: "Cada um por si."
Sendo essas duas
qualidades a negação uma da outra, é tão impossível a um
egoísta agir fraternalmente, para com os seus semelhantes,
quanto o é para um avarento ser generoso, a um homem
pequeno alcançar a altura de um homem grande. Ora, sendo
o egoísmo a praga dominante da sociedade, enquanto ele
reinar dominador, o reino da verdadeira fraternidade será impossível; cada um quererá da fraternidade em seu proveito,
mas não a quererá para fazê-la em proveito dos outros; ou,
se isso faz, será depois de estar seguro de que não perderá nada.
Considerada do ponto de vista de sua importância para a
realização da felicidade social, a fraternidade está em
primeira linha, é a base; sem ela não poderia existir nem
igualdade e nem liberdade sérias; a igualdade decorre da
fraternidade, e a liberdade é a consequência das duas outras.
Com efeito, suponhamos uma sociedade de homens bastante
desinteressados, bons e benevolentes para viverem, entre si,
fraternalmente, não haveria entre eles nem privilégios nem
direitos excepcionais, sem o que não haveria ali fraternidade.
Tratar alguém como irmão, é tratá-lo de igual para igual; é querer-lhe o que desejaria para si mesmo; num povo de
irmãos, a igualdade será a consequência de seus sentimentos,
de sua maneira de agir, e se estabelecerá pela força das
coisas.
Mas qual é o inimigo da igualdade? O orgulho!
O
orgulho que, por toda a parte, quer primar e dominar, que
vive de privilégios e de exceções, pode suportar a igualdade
social, mas não a fundará jamais e a destruirá na primeira
ocasião. Ora, sendo o orgulho, ele também, uma das pragas
da sociedade, enquanto não for destruído, oporá uma barreira à verdadeira igualdade.
A liberdade, dissemos, é filha da fraternidade e da igualdade;
falamos da liberdade legal e não da liberdade natural que é,
por direito, imprescritível para toda criatura humana, desde o
selvagem ao homem civilizado.
Vivendo os homens como
irmãos, com os direitos iguais, animados de um sentimento
de benevolência recíproco, praticarão entre si a justiça, não procurarão nunca se fazerem mal, e não terão,
consequentemente, nada a temer uns dos outros.
A liberdade
será sem perigo, porque ninguém pensará em dela abusar em
prejuízo de seus semelhantes. Mas como o egoísmo que quer
tudo para si, o orgulho que quer sempre dominar, dariam a
mão à liberdade que os destronaria? Os inimigos da liberdade
são, pois, ao mesmo tempo, o egoísmo e o orgulho, como o
são da igualdade e da fraternidade.
A liberdade supõe a confiança mútua; ora, não poderia haver
confiança entre pessoas movidas pelo sentimento exclusivo
da personalidade; não podendo se satisfazer senão às
expensas de outrem, sem cessar, estão em guarda uns contra
os outros.
Sempre com medo de perder o que chamam seus
direitos, a dominação é a condição mesma de sua existência,
por isso armarão sempre ciladas à liberdade, e a abafarão
tanto tempo quanto o puderem.
Esses três princípios são, pois, como o dissemos, solidários
uns com os outros e se servem mutuamente de apoio; sem
sua reunião, o edifício social não poderia estar completo. A fraternidade praticada em sua pureza não poderia estar só,
porque sem a igualdade e a liberdade não há verdadeira
fraternidade. A liberdade sem a fraternidade dá liberdade de
ação a todas as más paixões, que não têm mais freio; com a
fraternidade, o homem não faz nenhum mau uso de sua
liberdade: é a ordem; sem a fraternidade, ele a usa para dar
curso a todas as suas torpezas: é a anarquia, a licença.
Por
isso que as nações mais livres são forçadas a fazerem
restrições à liberdade. A igualdade sem a fraternidade conduz
aos mesmos resultados, porque a igualdade quer a liberdade;
sob pretexto de igualdade, o pequeno abate o grande, para se
substituir a ele, e se torna tirano a seu turno; isso não é senão um deslocamento do despotismo.
Segue-se que, até que os homens estejam imbuídos do
sentimento da verdadeira fraternidade, falta tê-los na
servidão? Que sejam impróprios às instituições fundadas
sobre os princípios de igualdade e de liberdade? Semelhante
opinião seria mais do que um erro; seria absurda. Não se
espera que uma criança haja feito todo o seu crescimento
para fazê-la caminhar. Quem, aliás, a tem mais
frequentemente em tutela?São homens de idéias grandes e
generosas, guiados pelo amor ao progresso? Aproveitando da
submissão de seus inferiores, para desenvolver neles o senso
moral, e elevá-los, pouco a pouco, à condição de homens
livres? Não; são, na maioria, homens ciosos de seu poder, à ambição e à cupidez dos quais outros homens servem de
instrumento, mais inteligentes do que animais, e que, para
esse efeito, em lugar de emancipá-los os têm, o maior tempo
possível, sob o jugo e na ignorância. Mas essa ordem de
coisas muda por si mesma pela força irresistível do progresso.
A reação é, às vezes, violenta e tanto mais terrível quanto o
sentimento de fraternidade, imprudentemente abafado, não
vem interpor um poder moderador; a luta se estabelece,
entre aqueles que querem agarrar e aqueles que querem
reter; daí um conflito que se prolonga, frequentemente,
durante séculos.
Um equilíbrio factício se estabelece enfim; há melhoria; mas sente-se que as bases sociais não estão sólidas; o solo treme a cada instante sob os passos, porque não é,
ainda, o reino da liberdade e da igualdade sob a égide da
fraternidade, porque o orgulho e o egoísmo estão sempre ali,
levando ao fracasso os esforços dos homens de bem.
Todos vós que sonhais com essa idade de ouro para a
Humanidade, trabalhai, antes de tudo, na base do edifício,
antes de querer coroar-lhe a cumeeira; dai-lhe por base a
fraternidade em sua mais pura acepção; mas, para isso, não
basta decretá-la e inscrevê-la sobre uma bandeira; é preciso
que ela esteja no coração e não se muda o coração dos
homens com decretos. Do mesmo modo que, para fazer um
campo frutificar, é preciso arrancar-lhe as pedras e os
espinheiros, trabalhai sem descanso para extirpar o vírus do
orgulho e do egoísmo, porque aí está a fonte de todo mal, o
obstáculo real ao reino do bem; destruí nas leis, nas
instituições, nas religiões, na educação, até os últimos
vestígios, os tempos de barbárie e de privilégios, e todas as
causas que mantêm e desenvolvem esses eternos obstáculos
ao verdadeiro progresso, que se recebe, por assim dizer,
desde a meninice e que se aspira por todos os poros na
atmosfera social; só então os homens compreenderão os
deveres e os benefícios da fraternidade; então, também, se
estabelecerão por si mesmos, sem abalos e sem perigo, os
princípios complementares da igualdade e da liberdade.
A destruição do egoísmo e do orgulho é possível? Dizemos
alta e ousadamente SIM, de outro modo seria preciso colocar
uma suspensão ao progresso da Humanidade. O homem
cresce em inteligência, é um fato incontestável; chegou ao
ponto culminante que não poderia ultrapassar? Quem ousaria
sustentar essa tese absurda? Progride ele em moralidade?
Para responder a esta pergunta, basta comparar as épocas de
um mesmo país. Por que, pois, teria antes alcançado o limite
do progresso moral do que do progresso intelectual? Sua
aspiração, para uma ordem de coisas melhor, é um indício da
possibilidade de a isso chegar. Aos homens progressistas cabe ativar o movimento pelo estudo e pela prática dos meios mais
eficazes.
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